Vivó 25!

Querida Mô,





Morre jovem o que os deuses amam, disse Plauto no seu defunto latim, que Pessoa traduziu para invocar o amigo Sá.

Morrem a esperança, o viço, o ânimo, ainda jovens, porque os deuses a eles os querem.

Passaram já quarenta anos, uma eternidade para o jovenzito que era, um sopro para o maduro desencantado que agora lhe escreve, perdido entre as recordações dos tempos felizes que vivi no tempo negro dos outros e as memórias das contradições que sentia nos primeiros anos da revolução, entre a colagem adolescente a toda aquela festa, aquela avidez de pertencer, de ser solidário, de viver em coerência com os valores cristãos inculcados, e a tristeza dos amigos que partiam, horrorizados pelas perspectivas dessa mesma festa, pelas palavras de ordem-ódio, pelas rusgas nocturnas, pelos assaltos diurnos, pelas detenções, sempre inferiores aos rumores, mas prisões mesmo assim. Quarenta anos em que adolescentei, fiquei adulto, amadureci e iniciei o caminho descendente para o ocaso.

Tal como eu, este caminho de social-democracia se fez de aparecimento, crescimento, consolidação e ocaso, como o de um porco em engorda para a sangria. Nas ruas que percorro em percursos masoquistas de anotação das mazelas da cidade - prédios oitocentistas em derrocada iminente, quarteirões pombalinos à espera do camartelo interior para adaptação hoteleira, quitandas de comer e beber em fecho anunciado - as caras desiludidas sucedem-se. Não há esperança, nem viço, nem ânimo.

Ah, as palavras. Martelos de doutrinação acelerada, juras de amor conceptual, tão evocadoras do passado como a proustiana madalena. Há uns dias, na revisão de um "volume de obra" municipal, entretido a conhecer o passado de um muito considerado e mais ainda degradado edifício lisboeta, descobri uma fotografia do tempo em que a fachada ainda estava plena de graffiti revolucionários. Foi o suficiente para me distrair do tempo e abstrair do trabalho - transplantei-me para uma cidade ainda cheia de palavras de ordem, para os "transistores" a debitar cantigas proletárias de justiça social, para os cheiros das tascas, oleosos e acres, do peixe à venda nas ruas, dos cafés e das cervejarias.

Apesar de detestar o folclore em que transformaram toda essa inocente esperança, apesar das feridas do "descolonizar", do "desenvolver" se ter virado contra nós e do "democratizar" ser uma árvore com raízes a apodrecer, houve sempre um rio em que acreditei, fundo e independente de tropelias e vilanias, incompetências e projectos pessoais: o de que estávamos num percurso de melhoria social, cultural e educacional, com pontos de não retorno na equidade e na solidariedade.

O presente faz-me duvidar desta certeza - afinal para que servem as certezas senão para delas duvidarmos? - não estamos a dar um passo atrás para podermos avançar dois com mais propriedade; estamos a dar cinco ou seis atrás para podermos avançar timidamente um...

Não sei porque estou assim, afinal a menina acabou de me anunciar a sua iminente visita, depois destes anos todos. Se calhar quando chegar, estou eu de malas feitas à sua espera para me levar daqui para fora, para esse Brasil que torna a ser, mais uma vez, terra de esperança para portugueses em desespero.

Descanse que uma delas vai estar cheia de conservas, enchidos, garrafas de Pera Manca e pasteis de Belém. Fazemos uma festa no avião.

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No último ano..