A arquitectura e a cozinha - o sobreiro do Leopoldo

Este é um cumprimento que vem de um engenheiro.

Na arquitectura reconheço a capacidade de construir sobre o vazio. De, à maneira de um escultor, lhe retirar o ar a mais para nela depositar a matéria e assim radicalizar o espaço, roubando-o à natureza e tornando-o humano. De, com o olhar, ver o final quando os outros vêem o princípio. Olhar ficcionado, abstracto, interior, olhar privilegiado.

Do mesmo modo que o músico reconhece escalas em todos os sons, também ao arquitecto se abre o exclusivo caminho das harmonias visuais, do secreto equilíbrio entre massas, planos e linhas.

Há uns dias descobri aquela que me parece a representação culinária mais bem concebida da paisagem portuguesa, síntese despretensiosa que deixa à porta - e a milhas - contemporaneidades alheias, efabulações teóricas, construções piedosas, heranças pitorescas.




Isto, senhoras e senhores, é o Alentejo e é genial de simplicidade.

Foi o Leopoldo Calhau - arquitecto de formação, alentejano de coração, cozinheiro por dedicação - que o criou, num momento raro, visionário, despojado.

Integra parte do mais tradicional, do mais profundo, do mais constante da gastronomia alentejana - o pão, o verde das ervas - e a visão mais icónica, mais constante da planície - a árvore solitária, num campo de exploração agropecuária extensiva. Sobre um terreno de migas apaladadas, o tronco e a copa de um florete de bróculo ainda crocante, especiado pela fritura. Só. E tudo.

Utiliza as nossas memórias visuais e combina-os com o nosso reconhecimento gustativo. E sabe tão bem.

Não precisamos de mais nada para nos sentirmos no meio da região. Se, do silêncio, começasse o lamento melancólico de um cante, seria a coisa mais natural do mundo.

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