Culinary Arts7.0 - Cinco casamentos e um historial

    "Tanto mar ainda para navegar, 
     Tanto mar, tanto mar... 
     Tanta comissão para alimentar, 
     Devagar, devagar... 
     Sei que há a esperança de a ensinar ...
     Fico contente, 
     Manda urgentemente 
     Mais cozinha nacional..."

(Chico na lembrança e, não sei porquê, estes versos de pé quebrado)

Por este ano, acabou-se o passeio por alguns dos segredados pratos nacionais (é tanta a gritaria que mais vale segredá-los, na esperança de melhor serem ouvidos) e é tempo de outras histórias, outras andanças, muitas descobertas.

Almoço de transição e alguns apontamentos para relembrar, fixar, repetir, afinar.


Como uma homenagem à tradição europeia das multinarrativas numa mesma história, sob o lema "Zé encontra Beppina", um fresco de possibilidades, idiossincrasias de relações, bons casamentos, desta vez sem funeral.

E a primeira história é a de um nacionalíssimo bacalhau com batatas a duas línguas, as batatas a aparecerem como a base dos gnocchi, e o sempre presente alho a metamorfosear-se em puré.


Entrada tranquila, como foi a da Primavera deste ano, boa boca, a dizer-nos que ainda estávamos em casa, mas com pequenos avisos à navegação: refeição portuguesa, com sotaque itálico.

Sotaque completamente a descoberto no segundo casamento:


Massa prensada com folhas de salsa e cebolinho, um raviolo aberto, a cobrir - oh tão cavalheiro - umas bem tradicionais, poialescas (bem hajas, Maria José Macedo!) favas com enchidos - oh tão coquettes... Tenras de se desfazerem na boca e, simultâneamente, a apresentarem inicial resistência, com o barroco volume de sabor dos enchidos a dar-lhes corpo. Pura gula.


(Para os mais distraídos, há que enfatizar estarmos em plena época das favas, convidando todos a ir, de manhã bem cedo, colhê-las ao Príncipe Real, à banca da quinta do Poial. São inigualáveis, colhidas no final do dia anterior, e merecem corrida até casa, descasque rápido e preparação leve e breve.)

O prato de peixe, contou outra história, uma união de dois espíritos fortes, independentes, estrelas por direito próprio.


Um salmonete, com o sabor delicado e profundo das grandes espécies disponíveis em Portugal, e um risotto de polvo também de fortes convicções gustativa . A pedir contenção na garfada, sem ajuntamentos, um pedaço do peixe, uma inspiração em silêncio e olhos fechados para admitir o máximo do discurso deste, seguido por um pedaço convivial do arroz, conversa plena, animada pelo animado sabor.

Ficaria o resto da tarde a pedir, alternadamente, mais salmonete e mais risotto, mas lá chegava o seguinte par...


Costeletinhas panadas... Ai, o pequeno prazer de lhes pegar com a ponta dos dedos e quebrar a eventual cerimónia que a formalidade da sala parecia implicar!

Atrás, grave, o parmesão em bolacha, com o umami do queijo a instilar força ao acompanhamento, como o clarinete do início da Rhapsody in Blue.

Para terminar em beleza, a sobremesa. Casamento nacional, do recheio do travesseiro sintrense com o envelope da torta de Azeitão, uma união profana mas que, pela santa agregação de sabores e texturas, poderia ser sagrada - não é assim que se esperam os casamentos abençoados pelo Céu?


Apadrinhados por um sorvete de flor de sabugueiro, fresco, jovial, descontraído, foram o fecho seguro para uma refeição de transição para outros voos desta classe di(o)nizina que tanto prazer tem proporcionado a quem a visita.

Como conclusão, deixo umas quantas perguntas, motivadas pelo vivido, para quem vê gastronomia para além da alimentação, quem vê porquês para além dos como :

- Comida de fusão?
- Confusão na gastronomia nacional?
- Tradição a par da contemporaneidade ou contemporaneidade contra a tradição?

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No último ano..