Restaurante Chico Elias, Tomar
Isto da publicidade boca a boca tem tanto de bom - a boa publicidade para os visados - como de perigoso para os ouvintes - se a mesma se faz mais por cópia do que por convicção.
Há anos que, invariavelmente, à menção de Tomar, me chega a referência do "Chico Elias". Referência sempre encomiástica. Tão encomiástica que, encontrada finalmente a oportunidade de passear pela região, logo decidi finalmente experimentar quem tão bem falado era.
O primeiro contacto foi uma desilusão. Organizado o dia para terminar em apoteose no restaurante, logo a voz do outro lado da linha para onde atempadamente ligara para a reserva me informa não servirem jantar nesse Sábado porque as reservas não eram em número suficiente. Estranhei... Não abrirem porque não têm reservas quando não aceitam reservas para abrir... Não havendo jantar ao Sábado, haveria almoço ao Domingo, pensei, reorganizando mentalmente todo o fim-de-semana. Havia. Mas a escolha dos pratos teria de ser na altura da reserva. "Frescura a mais", resmunguei, invocando o calão brasileiro e acatando. Há jeitos que só se aceitam uma vez.
No Domingo, a las 13 en punto de la tarde, lá estávamos nós. Declinadas as entradas, a las 13:05 en punto de la tarde, tínhamos à nossa frente os pratos escolhidos: Pato com Migas e Couves à D. Prior.
Composições originais, saídas da imaginação da D. Maria do Céu - a mulher do dono, Francisco Simões, filho do Elias (de onde vem o nome) - ao longo dos inúmeros anos que já leva à frente da cozinha. Imaginação na criação de combinações originais - feijoada de caracóis, bacalhau com porco, coelho na abóbora, coelho com frango - que lhe deu nome e permitiu transformar a taberna original num restaurante procurado.
Pato com Migas |
Couves à D. Prior |
Já estava avisado mas impressionei-me à mesma com a desmesura das doses: não pelo volume mas por o restaurante "obrigar" a uma dose por conviva. Um exagero e uma esperteza que não lhe fica bem (que existe a consciência das doses serem, por norma, superiores à capacidade dos clientes é provado pela solicitude que manifestaram em preparar uma "quentinha" mesmo sem perguntarmos por tal).
Numa primeira visão, os pratos são apelativos. Depois olha-se melhor e começa-se a suspeitar que a regra na casa é "quanto mais melhor". Observe-se a profusão de nozes e pinhões num prato e amêndoas e pinhões no outro: como se o objectivo fora despejar o resto do frasco ou se procurasse acabar de impressionar o cliente - já supostamente a lamber os beiços com o tamanho da pratada - com a generosidade dos frutos secos...
Esta impressão acentuou-se com a prova das Couves: insuportavelmente salgadas, fruto do exagero de queijo da ilha introduzido, intragáveis mesmo para quem, como eu, já a pouco sal recorre na feitura dos pratos. E é pena, porque a carne estava irrepreensivelmente cozinhada, a desfazer-se na boca, o tempero próprio acertado...
Já o Pato mostrou-se regular. O nome é enganador. Ao contrário do que é usual e tradicionalmente adoptado, as "migas" não são pão aferventado no caldo de cozer a carne ou o peixe que acompanham e aglutinado com estes, antes broa esfarelada e passada por azeite. A variação em relação às Couves é de pormenor (analisem-se as fotografias...) - muda-se a carne, troca-se a amêndoa pela noz, acrescenta-se-lhe broa e já está -, algo que a diferença de nomes não faz supor.
Acabado o conduto, as sobremesas. Vieram umas Fatias de Tomar, regulares.
O café - de saco - estava saboroso. (Prefiro um expresso bem tirado mas face às zurrapas que se servem por aí, antes um saco bem feito).
Entretidos a olhar as glórias jornalísticas orgulhosamente emolduradas e espalhadas em profusão pelas paredes, descansámos um pouco deste labor gustativo.
Pouco impressionados, foi comum a conclusão: muita parra e relativamente pouca uva. Este "Chico" parece ter adormecido à sombra das suas paredes e o gás que lhe alimentou a subida parece esvair-se sem remendo. Do que experimentámos - apesar da simpatia do serviço, da tranquilidade da sala, (dos guardanapos de pano!) - nada justifica uma peregrinação. Há pior (oh, há sempre pior...) mas também há, por este país fora, tantas e tantas casas a merecer uma atenção mais fundamentada.
NOTA FINAL
Por curiosidade, aqui deixo a receita das Couves à D. Prior, publicada no Diário de Notícias há cerca de 20 anos:
1 kg de lombo de porco; 300 gr de toucinho; sal; cominhos; tomilho; pimenta; noz-moscada; 3 couves lombardas; 1 c. sopa manteiga; queijo ralado; 1 porção de amêndoas torradas ou pinhões.
Na véspera, corta-se a carne em pedaços pequenos e tempera-se com sal e bastantes especiarias e deixa-se ficar assim até ao dia seguinte.
Cozem-se as couves em água com sal e as fatias de toucinho fresco. Quando estiverem cozidas, põem-se no passador para escorrer bem a água e tira-se o toucinho. Frita-se a carne com o toucinho. Pica-se na máquina. Deita-se a gordura numa molheira.
Num tabuleiro de pirex deita-se uma colher de sopa de manteiga e leva-se ao forno para derreter. Coloca-se uma porção de couves, tempera-se com noz moscada e o queijo e rega-se com a gordura. Juntam-se toda a carne. Sobre ela, as restantes couves, tempera-se e juntam-se os pinhões.
Vai ao forno.
Comentários
Há dias, uns amigos falaram em irmos lá.
Este post, vem muito a propósito para servir de inspiração.
Abraço