Restaurante Ibo, Lisboa
O Cais do Sodré é uma praça sem ancoragem, local de partidas e chegadas mas de pouca permanência. À sua volta estacionaram os edifícios mais emblemáticos da versão Mardeliana da arquitectura pombalina - poucos se demoram a olhá-los, mais interessados que estão no horário do comboio ou barco que os espera a caminho do subúrbio. Ainda bem que poucos os olham já que levariam com eles o peso da incúria ou do mau-amor que proprietários e autarquia lhes dedicam desde há anos.
Do Cais do Sodré já não partem eléctricos,
espertalhona que foi a Carris em aproveitar a interrupção temporária ditada por umas obras no Rato das quais já ninguém se lembra para a transformar em definitiva.
O Cais do Sodré tem três bares "à inglesa" onde se consegue beber uma Guiness em condições e deles falarei noutro artigo.
À beira do Cais do Sodré, ao lado das oliveiras móveis que, por causa da visita do Papa, para aqui foram transplantadas, começam os antigos armazéns do Porto de Lisboa,
(Arquivo Municipal) |
Enfrentando o Tejo e o começo do Mar da Palha, instalou-se, com direito a passadeira pessoana
o Restaurante Ibo.
Reclama a inspiração das gastronomias portuguesa e moçambicana e evoca a ilha homónima.
Levou-nos lá o caril de camarão, louvado por quem sabe da coisa. E lá fomos.
Achei curioso o casamento entre a ambiência clean e o exotismo das propostas, a serenidade física - arquitectura, serviço, design - e a vivacidade das cores e sabores oferecidos. De algum modo aparece-me esta ligação como incoerente - a África e a Índia que amadrinham a gastronomia evocam tudo menos contenção - e, no entanto, o espaço é simpático, dispõe bem.
(fotos retiradas do site do restaurante) |
Uns tira-gosto tripartidos entre o cada vez mais corriqueiro azeite-com-balsâmico, um pouco imaginativo red sauce com atum e um já mais interessante hummus (ainda que introduzir um prato tão emblemático do Próximo Oriente me pareça mais uma concessão aos gostos do chef do que aos propósitos do restaurante... afinal é Moçambique e as influências goesas que se estão a celebrar ou não?) para barrar em pão de três opções servido parcimoniosamente.
Como entrada, os camarões panados ao alho e gengibre. Saborosos (será que poderão, secos como estão pelo pão ralado, ter um bocadinho menos de tempo de fritura?), são mesmo só um cheirinho para o que se segue.
Para acrescentar valor e a pedido, dois chetnins - de manga e tomate - bem apaladados, um óptimo complemento ao camarão.
Embalados já pelo sabor muito especial da 2M
dedicámo-nos então a degustar esse verdadeiro prazer que constituiu o Caril de Caranguejo
absolutamente aprovado, a dosagem certa do tempero e o caranguejo do Alasca a cumprir bem o seu papel de substituto do original moçambicano. Delicioso e recomendável.
Para os mais audazes o molho de malagueta trilogia o momento, o verde mais moderado, o vermelho revolucionário como a côr sugere.
E nada melhor para descansar o palato do que algo doce.
O sorbet de limão e manjericão - sabores íntegros numa inteligente combinação -
e o cheesecake de frutos silvestres - igualmente saboroso, foram os eleitos e cumpriram. Mas porque não prolongar Moçambique até às sobremesas e introduzir no menu um bolo de mandioca ou um doce de batata doce?
Uma bela refeição se come nesta ilha moçambicana à beira-rio incrustada. Serviço correcto, guardanapos de pano, boa vista e bom ambiente (a música é que oscila entre o world e o new age...). Totalmente a experimentar.
Armazém A - Compartimento 2, Cais do Sodré, Lisboa
Tel. 21 342 36 11 ; Tlm. 96 133 20 24
Horário; 3ª-5ª 12:30/23:00 ; 6ª-Sab 12:30/01:00 ; Dom 12:30/15:30
Caril de Caranguejo
Ingredientes
500 gr. de caranguejo, lavado,cozido e desfiado
2 cebolas cortadas às rodelas
3 tomates cortados aos bocados
l colher de chá de sal
l colher de chá de pó de caril
1/2 colher de chá de pó de piri-piri
2 dentes de alho
3 colheres de sopa de óleo
Preparação
Rala-se o coco e extrai-se o seu leite, que se reserva. Numa panela com o óleo refoga-se a cebola até alourar e em seguida põe-se o caranguejo, o tomate, o piri-piri, o alho esmagado e o pó de caril.
Deixe ferver até o caranguejo mudar de cor.
Acrescenta-se então o leite de coco mexendo sempre para não coalhar. Deixa-se ferver durante 30 minutos e acrescenta-se o sal.
Do livro "Hoje Temos - Receitas de Moçambique", de Marielle Rowan (1998) retirado daqui
CHETNIM DE TOMATE
Ingredientes
1 kg de tomate ; 60 gr de gengibre; 60 gr de alhos; 60 gr de passas; 60 gr de amêndoas; 30 gr de pó de malagueta (piri-piri?); 1 1/2 chávena de vinagre; 2 chávenas de açúcar
Preparação
Lavam-se muito bem e pelam-se os tomates que depois se cortam em dois bocados. Deita-se o pó de malagueta, vinagre e sal e leva-se tudo a cozer.
Faz-se mel em ponto de espadana e adiciona-se os outros ingredientes, acrescenta-se o tomate e deixa-se engrossar. Depois de arrefecer mete-se em frascos bem fechados.
Do livro "Cozinha Indo-Portuguesa" de Maria Fernanda Noronha da Costa e Sousa Ed. Assírio e Alvim, 1998
Comentários
Já fui mais que uma vez ao Restaurante Ibo e vou voltar com toda a certeza. Neste momento é sem duvida o melhor restaurante de Lisboa, pela comida, pelo espaço e pelo atendimento. Dei-me ao trabalho de perguntar pelo chutney de tomate que afinal é de alperce e fiquei a saber que tanto os chutneys como os molhos picantes são confeccionados pelo Chef do restaurante, e posso dizer que são otimos. E como li a sua critica fui pesquisar e afinal os frutos silvestres foram o fruto que tirou a sede a muita gente em Moçambique na altura da seca, em especial na região de sofala. (fica a informação)
Vou seguir atenta o seu blog e darei também a minha opinião porque a cima de tudo adoro experimentar restaurantes e descobrir o que de bom se faz em Portugal.
Ana.
Ler um comentário como o seu é um refrigério para este escriba que necessita de troca de ideias como de patê para a boca. Obrigado pela paciência em documentar-se e e escrever e muito agradecido pelas informações - se não andamos cá para aprender e melhorar, não sei porquê aqui andaríamos!
Quanto ao que me diz: "destes" frutos silvestres em Moçambique? É? Se mo diz... Na crítica, eu referia-me mais ao cheesecake do que aos ingredientes, esse de certeza que não de raiz moçambicana, mas não interessa. Fica a correcção de que os frutos silvestres são da memória cultural gastronómica do país.
Já em relação à sua afirmação de que o Ibo é "o" melhor restaurante de Lisboa... lamento mas não é. :-)
É um restaurante correcto, profissional, honesto, de serviço quase exemplar (ainda que distraído a espaços) que faz muito bem alguns pratos.. mas falta-lhe, por exemplo, a vontade ou a capacidade de variar (pelo menos, na visita que lhe fiz o mês passado pareceu-me tudo na mesma na carta). Falta - pelo menos para mim - a capacidade de surpreender, não só na primeira visita mas na segunda, terceira, sempre. Não será muito - pois não, tomara todos os restaurantes servirem como e o que ele serve. Mas é esse pouco que o separa da aspiração ao topo da pirâmide.
Volte sempre e corrija quando vir razões para isso. É para isso que esta caixa está aberta sem restrições.