Culinária de Lisboa #20 - Caldeirada à Fragateira
Querida Mô,
Desejo-lhe um bom ano, entrados que estamos na segunda década do século. Um ano que por aqui se avizinha turbulento, tanto na economia quanto na política, com as medidas austeras que com ele entraram em vigor e as breves eleições presidenciais e o que mais elas trarão. Somos, por acaso ou por destino, um povo que raramente desencadeia movimentos violentos pelo que a turbulência será mais nos media e nas lamúrias de café do que propriamente no levantar das nossas lisboetas calçadas... Mas com o passar dos dias agravar-se-à o desconforto, com a inevitável diminuição do poder de compra e o frenesim que o fim de um ciclo (resta saber a amplitude desse final) sempre traz.
Olhe, vai ser o que se denomina por cá, uma bela de uma caldeirada, algo como uma bela de uma confusão, um tudo-ao-molho-e-fé-em-deus, um deus-nos-acuda (mais esclarecida?). Hoje, sorri para comigo pelo paralelismo das expressões e dos locais quando passava por Belém e, olhando o palácio, me perguntei como será o país político a partir de Março - uma caldeirada, murmurei, dando comigo a pensar que Belém era o sítio próprio para as evocar, dada a proximidade do António das Caldeiradas, essoutra sede do poder... de bem as executar.
Belém aliás, parece ser um local de especial concentração de lugares-símbolo - foi nele que o rei Manuel decidiu implantar o Mosteiro da sua consagração, foi nele que o Marquês-rei de Pombal decidiu demonstrar urbi et nobilis quem era a única fonte de poder, foi ainda aí que o Estado-Novo decidiu criar a refulgente imagem de um Portugal universalista, do Minho a Timor. Tudo caldeiradas.
Mas a caldeirada mais famosa de Lisboa não é nem tonitruante nem marcada na pedra; tem origens humildes e a sua perenidade é fruto da contínua experimentação que mãos desconhecidas uma e outra vez foram fazendo, apurando aqui, acrescentando ali. Nasceu no fundo das fragatas que encheram o rio durante séculos, em contínuo vai-e-vem entre margens, transportando mercadorias e pessoas. Ou talvez nas varinas mulheres dos seus tripulantes que com ela os alimentavam. De uma forma ou de outra, é filha do Tejo e, como dizia o fadista, o resto é cantiga. Deixo-lha aqui, com a recomendação de variar nos peixes utilizados - escolha um belo ramalhete e delicie-se com o preparo, aproveitando para evocar com saudade o rio que a viu partir há tantos anos atrás (lembra-se? eu lembro-me, sim, da despedida).
Desejo-lhe um bom ano, entrados que estamos na segunda década do século. Um ano que por aqui se avizinha turbulento, tanto na economia quanto na política, com as medidas austeras que com ele entraram em vigor e as breves eleições presidenciais e o que mais elas trarão. Somos, por acaso ou por destino, um povo que raramente desencadeia movimentos violentos pelo que a turbulência será mais nos media e nas lamúrias de café do que propriamente no levantar das nossas lisboetas calçadas... Mas com o passar dos dias agravar-se-à o desconforto, com a inevitável diminuição do poder de compra e o frenesim que o fim de um ciclo (resta saber a amplitude desse final) sempre traz.
Olhe, vai ser o que se denomina por cá, uma bela de uma caldeirada, algo como uma bela de uma confusão, um tudo-ao-molho-e-fé-em-deus, um deus-nos-acuda (mais esclarecida?). Hoje, sorri para comigo pelo paralelismo das expressões e dos locais quando passava por Belém e, olhando o palácio, me perguntei como será o país político a partir de Março - uma caldeirada, murmurei, dando comigo a pensar que Belém era o sítio próprio para as evocar, dada a proximidade do António das Caldeiradas, essoutra sede do poder... de bem as executar.
Belém aliás, parece ser um local de especial concentração de lugares-símbolo - foi nele que o rei Manuel decidiu implantar o Mosteiro da sua consagração, foi nele que o Marquês-rei de Pombal decidiu demonstrar urbi et nobilis quem era a única fonte de poder, foi ainda aí que o Estado-Novo decidiu criar a refulgente imagem de um Portugal universalista, do Minho a Timor. Tudo caldeiradas.
Exposição do Mundo Português, 1940 Porta do Pavilhão de Honra e de Lisboa (Autor: Eduardo Portugal ; Fonte: Arquivo Fotográfico de Lisboa) |
Mas a caldeirada mais famosa de Lisboa não é nem tonitruante nem marcada na pedra; tem origens humildes e a sua perenidade é fruto da contínua experimentação que mãos desconhecidas uma e outra vez foram fazendo, apurando aqui, acrescentando ali. Nasceu no fundo das fragatas que encheram o rio durante séculos, em contínuo vai-e-vem entre margens, transportando mercadorias e pessoas. Ou talvez nas varinas mulheres dos seus tripulantes que com ela os alimentavam. De uma forma ou de outra, é filha do Tejo e, como dizia o fadista, o resto é cantiga. Deixo-lha aqui, com a recomendação de variar nos peixes utilizados - escolha um belo ramalhete e delicie-se com o preparo, aproveitando para evocar com saudade o rio que a viu partir há tantos anos atrás (lembra-se? eu lembro-me, sim, da despedida).
CALDEIRADA À FRAGATEIRA
(para 10-12 pessoas)
4 a 5 kg de peixe variado
1 kg camarão
1 kg moluscos
4 cebolas
3 ramos salsa
1 folha louro
1 limão
2 dl vinho branco
2 dl azeite
4 dentes alho
0.5 kg tomate
1 ramo coentros
300 gr pão frito ou torrado
O CALDO: Cozem-se as cabeças, espinhas e peles, 2 cebolas cortadas, 2 ramos de salsa, o louro, sumo do limão, vinho, sal e pimenta. Deixa-se ferver por meia-hora, retirando-se a espuma. Passa-se por um coador.
O REFOGADO: Refogam-se a cebola e o alho picados em azeite, acrescenta-se o tomate sem pele nem pevides. Quando a cebola começa a alourar acrescentam-se as ervas e o caldo de peixe, os lombos dos peixes, crustáceos e moluscos sem casca, deixando-se ferver mais 10 a 15 minutos. Serve-se com as fatias de pão, polvilhadas com salsa picada.
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