Restaurante Cantina da Estrela, Lisboa
Aqui, muito gira em torno do conceito "escola": é da vizinha Escola de Hotelaria e Turismo que provêm muitos dos funcionários, é em algumas das referências visuais das antigas escolas primárias que se baseia a decoração, é ainda no sistema de avaliação que se inspira o - original entre nós - sistema de cotação dos pratos escolhidos.
A Cantina da Estrela é o, recentemente aberto, restaurante do Hotel da Estrela, também ele não há muito tempo a operar na rua que já foi a do Almeida Garrett onde nela se finou num prédio igualmente finado num muito contestado à última da hora investimento imobiliário.
E que cantina é esta? Um espaço de alguma experimentação - à falta de melhor expressão - social, onde o cliente é desafiado a ultrapassar alguma da vergonha (ou, em alternativa, chico-espertice) nacional, sendo ele próprio a, dentro de limites definidos, decidir o preço de cada prato. Funcionará o sistema? Sinto alguma curiosidade: qual será a média dos valores indicados? O objectivo é, de acordo com o publicitado, ser o preço indicador do grau de satisfação do cliente. Será?
Falemos então do que experimentámos.
Couvert trivial de manteiga e azeitonas, bem apresentado. Pão crocante, saboroso, com a graça de ser apresentado numa marmita tradicional, das de onde a geração mais velha se habituou a retirar o almoço nos tempos escolares.
Como entrada, Carpaccio de vieiras com pimenta rosa e cogumelos salteados. As vieiras, frescas, num casamento muito bem conseguido com a pimenta rosa. Os cogumelos - feitos na chapa? - temperados com o que me pareceu ser flor de sal e piri-piri, saborosíssimos, um processo que vale a pena adaptar e um justo e contrastante acompanhamento que se saúda.
Primeiro prato, um Polvo grelhado com batata doce a apenas alguns graus da perfeição quanto à cozedura, bem acompanhado, de tempero correcto.
Segundo prato, o Borreguinho que se desfaz na boca o que foi verdade, ainda que o anho parecesse já entradote na adolescência. Molho correcto, o puré de batata e os legumes acompanhantes também, ainda que preferisse uma escolha mais consistente - batatas assadas no forno, por exemplo...
Realce para a apresentação "rústico chique", em baixela cuidadosamente despenteada (permitam-me a ironia). Os tachos dão um ar da sua graça ainda que não me lembre de, em algum refeitório escolar ou cantina universitária a comida me ter sido servida directamente do tacho...
Por último e para sobremesa, Ilha flutuante como se fosse feita pelas nossas avós. Farófias - ou nuvens -, diriam as nossas avós, senhoras que sempre tiveram a mania de chamar os bois pelos nomes (pensando nisso, as nossas professoras também insistiam nisso, dar o nome certo às coisas...). A não ser que as nossas avós tenham nascido em França, casado e vindo para Portugal, traduzindo assim as Iles Flotantes da sua infância... Enfim, a União Europeia Gastronómica.
Terminologias à parte, confecção, fidelidade ao cânone e apresentação a merecerem nota alta.
Se a quantificação monetária efectuada for de facto sinal da agradabilidade, então que fique o resultado: a relação final com o preço máximo possível foi de 80%...
Continuando nos preços, por aqui também se adoptou o conceito do vinho como produto de luxo, com valores escandalosamente elevados, a deixar a leve desconfiança de que se procura recuperar nas bebidas as perdas com as eventuais atribuições de preço minimalistas. Pode não ser verdade mas consumidor escaldado com a suspeita recusa-se a voltar...
No que respeita ao serviço, realizado por alunos da Escola e comandados por uma "generala" competente, a impressão global é a de aprendizagem em movimento: há arestas a limar, juventude a evoluir e vontade para melhorar, com impressão globalmente positiva.
Mesas sem atoalhado, o que me parece inaceitável para o nível de cozinha e de preços.
O espaço apareceu-me um pouco como as anedotas com potencial contadas por um inábil: a ideia é interessante, existem pormenores decorativos que ficam bem, mas o resultado final é de uma coerência incoerente: porquê cadeiras diversificadas, de estilos e épocas diferentes, quando as escolas são lugares de uniformização (principalmente as de antanho, na qual se parece basear a ideia desta "Cantina") e as mesas que as acompanham são todas iguais? A iluminação está próxima do chumbo, com zonas demasiado iluminadas (passei toda a refeição sob o inquisidor brilho de um holofote) e outras em penumbra.
Última palavra para as acessibilidades: não sei quais os critérios que levaram à definição dos sentidos de trânsito da zona mas a CML necessita urgentemente de os rever, tais as voltas que se têm de dar até chegar perto. "Perto" que servirá apenas para deixar os passageiros, já que o estacionamento local é próximo do impossível (sem contar com o parque do hotel), havendo que circular mais ou menos aleatoriamente até se descobrir um espaço para parquear.
O que dizer desta Cantina que se anuncia como restaurante de bairro? Em primeiro lugar que os seus promotores ou não sabem o que é um restaurante de bairro ou estavam a pensar no Restelo quando o resolveram assim denominar. A um restaurante de bairro vai-se regularmente, não só porque a comida se aproxima do paladar caseiro mas porque é "em conta". Ora a Cantina - que nos sabores e no despojamento da sala se aproxima do conceito -, está longe dessa acessibilidade económica. Não que os preços escaldem (menos no vinho); não que sejam injustos face à qualidade gastronómica; não são é "de bairro". Por outro lado, por estes valores seria de esperar um espaço em coerência, algo mais que uma humorada e experimental intervenção sob o tema escolar.
Experimentarei de novo daqui a alguns meses. Pode ser que, mantendo-se o nível da cozinha e ganhando ainda mais consistência o serviço, os pontos menos bem conseguidos da envolvente passem mais despercebidos. E talvez leve uma garrafa de casa. Para além de mais barato, está cada vez mais na moda.
Classificação: Cozinha - 3.67/5 ; Global - 14.22/20.
Cantina da Estrela, Restaurante de Bairro - Hotel da Estrela
Rua Saraiva de Carvalho 35
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Ana