Culinária de Lisboa #26 - Meia-desfeita / Punheta de Bacalhau
Querida Mô,
Atacado de insónia (pretexto desnecessário para si, já que nesses trópicos, a diferença horária não é grande), assisti de mesa e pucarinho - que é como quem diz, com um Earl Grey e umas tostas com marmalade -, à cerimónia de entrega dos Óscares. Cerimónia fraquinha, mas aquela gente mesmo a fazer mal consegue superar o resto do mundo quando toca a show business. There's now bizz like show bizz, cantava a Ethel Merman, numa declaração de eficaz capitalismo que nos dorme na memória até hoje...
Bom, estava eu tranquilo a assistir aos diversos discursos vencedores quando a Melissa Leo nos brinda (pelo menos a nós portugueses, libertos da censura prévia que a purista América impõe à depravada Hollywood) com um solene "fucking easy". Presumo que seja libertador dizê-lo, principalmente se em frente de uma multicentenária plateia, engrandecida pelos milhões colocados do outro lado do espelho.
Quando, a posteriori, lhe ouvi a explicação, "faz parte da língua inglesa, é para ser usada", lembrei-me da nossa "punheta de bacalhau" e do manto de silêncio que envolve o nome sempre que o mesmo se menciona em ambientes mais selectos. E o que é essa tal de "punheta" perguntar-me-à. Um nome pouco para uma preparação de uma simplicidade genial. Pois se "punheta" é um curto-circuito para obtenção rápida de um prazer passageiro, o prazer que se retira deste prato não é nada passageiro - é como as nódoas de nêspera: indelével. Imagine o peixe mais fabuloso do mundo em dias de grande desejo e pouco tempo (posto desta maneira, o nome até tem a sua justificação...) - recorra à "punheta".
Tão saborosa quanto esta, é a meia desfeita ainda que requeira mais disponibilidade de tempo. Outro nome bem português. Uma "meia desfeita" é assim um agravo feito a alguém que não se importou muito... Mais uma vez, estranho. A meia desfeita é um desagravo feito à nossa gulodice, um modo de fazermos - intensamente! - as pazes com o mundo. Porque haveríamos de crismar o prato com uma atitude tão própria de coisas chochas?
PUNHETA DE BACALHAU
400 gr bacalhau; 0.5 dl azeite; 3 c. sopa vinagre; alhos, picados; pimenta; pão casiro q.b.
Demolha-se o bacalhau e desfia-se em cru. Tempera-se com os restantes ingredientes menos o pão, que é para o acompanhamento.
MEIA-DESFEITA
0.5 kg de bacalhau demolhado; 0,5 l de grão, demolhado durante a noite; 2 dentes de alho; 1 dl azeite; sumo de meio limão; 2 cebolas; 1 ramo salsa; sal e pimenta
Atacado de insónia (pretexto desnecessário para si, já que nesses trópicos, a diferença horária não é grande), assisti de mesa e pucarinho - que é como quem diz, com um Earl Grey e umas tostas com marmalade -, à cerimónia de entrega dos Óscares. Cerimónia fraquinha, mas aquela gente mesmo a fazer mal consegue superar o resto do mundo quando toca a show business. There's now bizz like show bizz, cantava a Ethel Merman, numa declaração de eficaz capitalismo que nos dorme na memória até hoje...
Bom, estava eu tranquilo a assistir aos diversos discursos vencedores quando a Melissa Leo nos brinda (pelo menos a nós portugueses, libertos da censura prévia que a purista América impõe à depravada Hollywood) com um solene "fucking easy". Presumo que seja libertador dizê-lo, principalmente se em frente de uma multicentenária plateia, engrandecida pelos milhões colocados do outro lado do espelho.
Quando, a posteriori, lhe ouvi a explicação, "faz parte da língua inglesa, é para ser usada", lembrei-me da nossa "punheta de bacalhau" e do manto de silêncio que envolve o nome sempre que o mesmo se menciona em ambientes mais selectos. E o que é essa tal de "punheta" perguntar-me-à. Um nome pouco para uma preparação de uma simplicidade genial. Pois se "punheta" é um curto-circuito para obtenção rápida de um prazer passageiro, o prazer que se retira deste prato não é nada passageiro - é como as nódoas de nêspera: indelével. Imagine o peixe mais fabuloso do mundo em dias de grande desejo e pouco tempo (posto desta maneira, o nome até tem a sua justificação...) - recorra à "punheta".
Tão saborosa quanto esta, é a meia desfeita ainda que requeira mais disponibilidade de tempo. Outro nome bem português. Uma "meia desfeita" é assim um agravo feito a alguém que não se importou muito... Mais uma vez, estranho. A meia desfeita é um desagravo feito à nossa gulodice, um modo de fazermos - intensamente! - as pazes com o mundo. Porque haveríamos de crismar o prato com uma atitude tão própria de coisas chochas?
PUNHETA DE BACALHAU
400 gr bacalhau; 0.5 dl azeite; 3 c. sopa vinagre; alhos, picados; pimenta; pão casiro q.b.
Demolha-se o bacalhau e desfia-se em cru. Tempera-se com os restantes ingredientes menos o pão, que é para o acompanhamento.
MEIA-DESFEITA
0.5 kg de bacalhau demolhado; 0,5 l de grão, demolhado durante a noite; 2 dentes de alho; 1 dl azeite; sumo de meio limão; 2 cebolas; 1 ramo salsa; sal e pimenta
O grão: Coze-se o grão em bastante água com sal e quando bem cozido mexe-se fortemente com uma escumadeira para se separarem as peles que se tiram com a mesma.
O bacalhau: Ferve-se água, coloca-se o bacalhau e retira-se do lume, tapando. Aguarda-se 10 minutos, retiram-se espinhas e peles e desfaz-se em lascas.
O final: Pica-se a cebola, os dentes de alho e a salsa. Mistura-se tudo, temperando-se com o azeite, limão, sal e pimenta.
ALTERNATIVA: Pode preparar-se a quente: numa travessa de ir ao forno colocar o bacalhau, por cima o grão, as cebolas cortadas às rodelas e refogadas e o alho, a salsa, o azeite e o sumo de limão. Vai ao forno até o azeite ferver.,
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