Culinária de Lisboa #28 - Pataniscas de Bacalhau
Querida Mô,
Muitas vezes existe um mundo a separar um nome da sua realidade. Ontem escrevia-lhe sobre a sensação de liberdade que senti quando descia a avenida a caminho de um Rossio em festa cívica. Não me lembrei de comentar a suprema ironia (em que o anterior regime era pródigo, quase sempre involuntariamente) que era a principal avenida da capital de um país em controlo permanente ser crismada com aquilo que este parcimoniosamente distribuía.
Uma Liberdade onde não existia a permissão para mais de 3 pessoas se encontrarem na rua (uma conspiração!) ou para namorar (uma ofensa aos bons costumes!).
Uma Liberdade que varria para as traseiras o único espaço disponível de liberdade - o Parque Mayer - liberdade de costumes e liberdade de pensamento, cuidadosamente vigiadas. Dessa terra que a acolheu, onde o calor foi sempre um obstáculo à rigidez de pensamento, será talvez difícil imaginar a carga negativa que, por aqui, integrar o mundo do teatro - o de Revista, ainda por cima! - continha. E, no entanto, paradoxalmente, quanta fama atingiam as grandes vedetas desse tempo, com o talento impulsionado pela cumplicidade com que entregavam aos espectadores as cifradas mensagens de crítica. Ao português malandrinho que sempre preferiu a encapotada resistência a uma oposição frontal, este piscar de olho caía como mosca no mel. Um português subjugado pela bota férrea da ditadura, de acordo com a propaganda posterior, um povo achatado pelo peso enorme do seu próprio atraso, espelhado na mesquinhez do dia-a-dia.
Achatado como as pataniscas, essa maravilha de concisão e de poupança que acompanharam tanta cerveja bebida entre o desconsolo da realidade e a ilusão dos palcos.
Muitas vezes existe um mundo a separar um nome da sua realidade. Ontem escrevia-lhe sobre a sensação de liberdade que senti quando descia a avenida a caminho de um Rossio em festa cívica. Não me lembrei de comentar a suprema ironia (em que o anterior regime era pródigo, quase sempre involuntariamente) que era a principal avenida da capital de um país em controlo permanente ser crismada com aquilo que este parcimoniosamente distribuía.
Uma Liberdade onde não existia a permissão para mais de 3 pessoas se encontrarem na rua (uma conspiração!) ou para namorar (uma ofensa aos bons costumes!).
Uma Liberdade que varria para as traseiras o único espaço disponível de liberdade - o Parque Mayer - liberdade de costumes e liberdade de pensamento, cuidadosamente vigiadas. Dessa terra que a acolheu, onde o calor foi sempre um obstáculo à rigidez de pensamento, será talvez difícil imaginar a carga negativa que, por aqui, integrar o mundo do teatro - o de Revista, ainda por cima! - continha. E, no entanto, paradoxalmente, quanta fama atingiam as grandes vedetas desse tempo, com o talento impulsionado pela cumplicidade com que entregavam aos espectadores as cifradas mensagens de crítica. Ao português malandrinho que sempre preferiu a encapotada resistência a uma oposição frontal, este piscar de olho caía como mosca no mel. Um português subjugado pela bota férrea da ditadura, de acordo com a propaganda posterior, um povo achatado pelo peso enorme do seu próprio atraso, espelhado na mesquinhez do dia-a-dia.
Achatado como as pataniscas, essa maravilha de concisão e de poupança que acompanharam tanta cerveja bebida entre o desconsolo da realidade e a ilusão dos palcos.
PATANISCAS DE BACALHAU
0.5 kg de bacalhau; 250 gr farinha; 1 ramo salsa; 2 ovos; 2 dl leite; sal
Coze-se o bacalhau, limpa-se de peles e espinhas e separa-se em lascas.
O polme: Desfaz-se a farinha no leite, mexe-se de modo a evitar os grumos, tempera-se com sal, junta-se a salsa picada, os ovos batidos e as lascas de bacalhau.
A fritura: Deitam-se às colheradas em óleo bem quente. Quando fritas, colocam-se em papel absorvente.
ACOMPANHAMENTO: Salada de feijão-frade. Arroz de pimentos maladrinho.
Comentários
Estas, que pela foto foram executadas no preceito da madragoa, são bem o exemplo do prato popular que teima em escapar a ditaduras de "chefs" e continua, airosamente, a ser coisa de povo.