DOC: Ficar, repetir, levemente questionar
Depois de tudo o que li, das críticas, referências, escritos do Chef e pratos divulgados, pecado seria estar perto e não o comprovar in loco.
O DOC está num sítio lindíssimo,
(que super-homens terão plantado e ainda hoje vindimarão estes renques colocados quase a pique?)
tem uma arquitectura que desde logo anuncia o que poderemos esperar: uma abordagem contemporânea ancorada no local.
Combinando a languidez do espaço exterior (um deck que convida à abstracção, em sintonia com o espelho de água que é o Douro estival) com uma razoável solenidade dada pela utilização de materiais naturais despojados de excessos decorativos e pela concentração das cores em tonalidades que são variações do castanho (ascetismo acentuado pela excepção que são os candeeiros), o DOC erige-se como um templo, subconscientemente anunciando aos entrantes a condição mística da experiência prestes a acontecer.
Convenhamos que, como estratégia está bem pensada. Venha a experiência então.
Duas "cortesias do chef" para começo.
Uma muito boa "Sopa fria de melão com colher de presunto e requeijão e nozes caramelizadas"
e uma superlativa "A batata, o salmão e o limão" que me esqueci de fotografar de entusiasmado que já estava, discos de batata frita com recheio de pasta de salmão e raspa de limão, servidos em pedra de xisto (mantém-se a moda, ainda que, resultando visualmente tão bem, o pecado seja por uma vez perdoado).
Como entrada escolhera-se "Foie gras com brioche, maçã salteada em azeite e mel, compota de maracujá, baunilha, papaia e fatia de manga caramelizada" o qual mereceu igualmente nota máxima. O doce da maçã a cortar a enormidade de gordura (mas que bem sabe!) como seria expectável, a novidade das notas tropicais e a graça da fina fatia de manga, a surpreender a função de "tosta" pelo seu carácter doce. Visualmente, um sucesso.
E aqui fiz uma pausa. Deixei todos aqueles casamentos felizes, feitos de complementos e contrastes, passarem da memória do palato para a associação a memórias - é assim que construímos pontes na nossa inconsciente arrumação mental, não é? O sabor da manga com o cheiro inconfundível do litoral tropical onde a provámos, acabada de ser colhida, pela primeira vez. Ou a macieza do paté e o gosto inconfundível que deixa, com a surpresa do aroma que o forno exalou no primeiro dia em que o experimentei fazer em casa e em conjunto com um amigo do peito.
Do outro lado do vidro, uma paisagem que aqui já estava, assim, nos tempos da D. Antónia ou do senhor Marquês. Imutável e constantemente trabalhada. O mesmo rio e, no entanto, nunca as mesmas águas.
Beatitude.
Vieram os pratos substanciais. (Não sei porquê, puxou-nos a escolha para pratos muito pouco ligados à zona - falta de propostas mais apelativas do lado da tradição? Ausência de propostas consistentes do lado da tradição?) Não nos desiludiram.
Um "Caril de Gambas com Vieira, Arroz aromatizado com coco, chutney de tomate, uvas e maçãs" correctíssimo, delicios, ainda que ortodoxo na composição e pouco imaginativo na apresentação,
e "Tamboril e Vieira com Risotto de Lima e ervas (rebentos de sakura) sobre cama de Pakchoi e Chouriço". Continuo a preferir risottos menos al dente, ainda que entenda a adopção da ortodoxia. O aroma da lima resulta muitíssimo bem adicionando leveza ao peso pesado que é o risotto. Peixe e bivalve cozinhados no ponto certo, com a "cama" a complementar acertadamente.
Finalmente as sobremesas. "Trilogia - Soufflé de limão, zabaglione de vinho do porto com uvas brancas, nozes e frutos secos e gelado de amêndoa", uma santíssima trindade!
E "Queijo da serra com compota de tinta roriz", mais uma associação bem concertada.
A terminar, como cortesia final, estes miminhos (que a minha médica, via sms - como são big sisters, os médicos de hoje! - me proibiu de experimentar sob pena de agravamento da dieta). Diz quem provou que estavam de comover e pedir por mais.
Que impressão nos fica deste DOC? Sem dúvida, um lugar de (muito) bem comer.
Algumas ligeiras perplexidades, a mais significativa das quais a contradição entre a publicitada (no local, em panfletos à disposição) filosofia culinária do Chef Rui Paula ("A gastronomia deve ter uma raiz emocional, uma ligação ao contexto cultural. O nosso tem o universo de Trás-os-Montes, do Alto Douro e do Douro Litoral") e alguns dos pratos à disposição (caril de gambas? risotto?). Outro, a insistência nas placas de xisto - generalizada que cada vez mais está a sua utilização, perdida a graça da surpresa, sabem a dejá vu, desvalorizando o impacto do prato. Pequenos reparos mesmo, a não empalidecer a boa estrela do local.
(A posteriori, depois de uma experiência sublime noutra casa, descobri-me com uma areia no sapato em relação a esta refeição - o que seria? Excelente comida, bom serviço, óptima implantação e correspondente vista... Muito introspectei para chegar a uma única hipótese - secura. Não consigo explicar melhor - falta de um pouco de descontracção, empatia por cima da simpatia, ligação com o cliente. É só mesmo uma ligeiríssima impressão, mas ficou por cá a incomodar o subconsciente. À espera da próxima visita.)
Clasificação: Cozinha - 4,4/5 ; Global: 17,4/20)
O DOC está num sítio lindíssimo,
chega-se lá com os olhos saturados de um continuum de uma paisagem que não sabemos se admirar se respeitar,
(que super-homens terão plantado e ainda hoje vindimarão estes renques colocados quase a pique?)
tem uma arquitectura que desde logo anuncia o que poderemos esperar: uma abordagem contemporânea ancorada no local.
Combinando a languidez do espaço exterior (um deck que convida à abstracção, em sintonia com o espelho de água que é o Douro estival) com uma razoável solenidade dada pela utilização de materiais naturais despojados de excessos decorativos e pela concentração das cores em tonalidades que são variações do castanho (ascetismo acentuado pela excepção que são os candeeiros), o DOC erige-se como um templo, subconscientemente anunciando aos entrantes a condição mística da experiência prestes a acontecer.
Convenhamos que, como estratégia está bem pensada. Venha a experiência então.
Duas "cortesias do chef" para começo.
Uma muito boa "Sopa fria de melão com colher de presunto e requeijão e nozes caramelizadas"
e uma superlativa "A batata, o salmão e o limão" que me esqueci de fotografar de entusiasmado que já estava, discos de batata frita com recheio de pasta de salmão e raspa de limão, servidos em pedra de xisto (mantém-se a moda, ainda que, resultando visualmente tão bem, o pecado seja por uma vez perdoado).
Como entrada escolhera-se "Foie gras com brioche, maçã salteada em azeite e mel, compota de maracujá, baunilha, papaia e fatia de manga caramelizada" o qual mereceu igualmente nota máxima. O doce da maçã a cortar a enormidade de gordura (mas que bem sabe!) como seria expectável, a novidade das notas tropicais e a graça da fina fatia de manga, a surpreender a função de "tosta" pelo seu carácter doce. Visualmente, um sucesso.
Do outro lado do vidro, uma paisagem que aqui já estava, assim, nos tempos da D. Antónia ou do senhor Marquês. Imutável e constantemente trabalhada. O mesmo rio e, no entanto, nunca as mesmas águas.
Beatitude.
Um "Caril de Gambas com Vieira, Arroz aromatizado com coco, chutney de tomate, uvas e maçãs" correctíssimo, delicios, ainda que ortodoxo na composição e pouco imaginativo na apresentação,
e "Tamboril e Vieira com Risotto de Lima e ervas (rebentos de sakura) sobre cama de Pakchoi e Chouriço". Continuo a preferir risottos menos al dente, ainda que entenda a adopção da ortodoxia. O aroma da lima resulta muitíssimo bem adicionando leveza ao peso pesado que é o risotto. Peixe e bivalve cozinhados no ponto certo, com a "cama" a complementar acertadamente.
E "Queijo da serra com compota de tinta roriz", mais uma associação bem concertada.
A terminar, como cortesia final, estes miminhos (que a minha médica, via sms - como são big sisters, os médicos de hoje! - me proibiu de experimentar sob pena de agravamento da dieta). Diz quem provou que estavam de comover e pedir por mais.
Que impressão nos fica deste DOC? Sem dúvida, um lugar de (muito) bem comer.
Algumas ligeiras perplexidades, a mais significativa das quais a contradição entre a publicitada (no local, em panfletos à disposição) filosofia culinária do Chef Rui Paula ("A gastronomia deve ter uma raiz emocional, uma ligação ao contexto cultural. O nosso tem o universo de Trás-os-Montes, do Alto Douro e do Douro Litoral") e alguns dos pratos à disposição (caril de gambas? risotto?). Outro, a insistência nas placas de xisto - generalizada que cada vez mais está a sua utilização, perdida a graça da surpresa, sabem a dejá vu, desvalorizando o impacto do prato. Pequenos reparos mesmo, a não empalidecer a boa estrela do local.
(A posteriori, depois de uma experiência sublime noutra casa, descobri-me com uma areia no sapato em relação a esta refeição - o que seria? Excelente comida, bom serviço, óptima implantação e correspondente vista... Muito introspectei para chegar a uma única hipótese - secura. Não consigo explicar melhor - falta de um pouco de descontracção, empatia por cima da simpatia, ligação com o cliente. É só mesmo uma ligeiríssima impressão, mas ficou por cá a incomodar o subconsciente. À espera da próxima visita.)
Comentários
É um reparo que lhe deixo (e à maioria da crítica gastronómica) que parte olimpicamente do "principio da abastança", esquecendo ou fingindo esquecer que a esmagadora maioria dos portugueses claro que também olha (e quantas vezes SÓ olha) para a coluna da direita da ementa.
Para que o leitor não vá ao encontro da ruína ou simplesmente não vá, tout court, é importante mencionar os preços, nem que seja o que é expectável como preço médio da refeição.
Hum. Vou pensar na sugestão. Gracias!