Alentejo, cante e como!

Em homenagem a Serpa que encabeçou o caminho para o reconhecimento universal da sua condição de património imaterial da humanidade e a todas as mulheres e homens de bem que, com orgulho, têm o Alentejo no coração.

Sendo lisboeta, de tantas gerações que desconheço as origens fundas das minhas raízes, é no fado que me reconheço português: sou uma colecção completa de lugares-comuns lusitanos (a saudade, a lágrima ao canto do olho, o bacalhau e o "cinc'unhas", até as sardinheiras!) quando uma guitarra é tocada picadinha, a Amália dos anos 50 soa, ou o Camané, da sua noite, ecoa o lamento.

Mas algum, dos que me povoaram os genes, pelas planícies deve ter aprendido a ler o mundo porque, compadres, quando o cante se me atravessa as orelhas, quais fado, quais vielas, quais almas vencidas, fico arrepiado dos cabelitos às unhacas dos pezes e podia vir o fim do mundo que eu não deixaria o encantamento.

Se o fado vem de África, o cante só pode ser mourisco de filiação - aquela voz de almuadem que todos convoca para a partilha não engana. Mas o cante é sincrético: aquela polifonia é medieval e cristã, ascética, despojada de bens terrenos, prenhe de cambiantes e gradações. É, finalmente, um hino à cidadania e à liberdade, evidenciando, em simultâneo, as virtudes do trabalho de grupo e o direito do indivíduo à expressão individual - é a voz que se escapa, por vezes, celebrando a individualidade, a liberdade do homem o qual, mesmo solidário, mesmo pertencente a um grupo, não deixa de ser outro, pensante por si próprio, diferente, único.



Do cante quase sempre masculino, entretido e entrelaço nas muitas tabernas de vilas e aldeias, fica a memória dos silenciosos, mas inequivocamente presentes, companheiros, factores fundamentais do desempenho, tão ou mais imemoriais que a vontade de traduzir vivências e afectos em música: o vinho (como o de talha), o pão (alentejano!), o queijo (como o de Serpa), as azeitonas (britadas).



Desse vinho que, pelo menos desde os romanos, a região gera, inicialmente em talhas, como ainda se faz em Vila de Frades e onde, neste mês de Novembro, se já começam a provar os resultados da fábrica deste ano.








Recomendo fortemente o périplo das tabernas da Vila:
é educativo, sabe bem e ajuda a preservar
uma das mais brilhantes instituições sociais deste país



Ponto de paragem obrigatório na vila, depois do passeio, aberto o apetite e alegrados os espíritos, é o Restaurante País das Uvas, com produção própria do vinho, simpatia desmedida e petiscos que deixam qualquer um de bem com o mundo, mesmo este cada vez mais de chumbo presente. O Alentejo é grande e preenche-nos a alma.

Disfrutem, enquanto há, nos deixam e é genuíno.








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