 |
Bolo da Lua (yuè bĭng)
(Fonte: Wikipedia) |
Em noite de lua cheia, na proximidade do equinócio de Outono, decidiu a embaixada da República Popular da China comemorar uma das mais importantes e populares celebrações do país - o Festival da Lua ou Festival do Meio do Outono - com um jantar no
The Old House, celebrando 4 das suas cozinhas tradicionais.
Sichuan, Guangdong (Cantão), Jichuan e Zhejiang são regiões chinesas de características geográficas diversas tendo em cada uma nascido uma gastronomia rica e diversa a ponto de, tradicionalmente, ser individualizada e colocada no clube restrito de culinárias clássicas do país (8 no total).

 |
A República Popular da China, com as diferentes províncias que a constituem |
 |
SICHUAN |
Como já referi mais detalhadamente aqui, Sichuan é uma província do interior do país, contendo duas regiões geograficamente muito diversas (uma zona de planície muito fértil e uma extensa zona montanhosa). A sua cozinha baseia-se na diversidade das matérias primas disponíveis, dos cereais, oleaginosas, frutas, verdura, bambús, cogumelos existentes nas planícies, aos animais selvagens como os ursos e os cervídeos, nas montanhas e aos diversos peixes de rio. A sua característica mais famosa e difundida é, no entanto, o uso de chillies e da pimenta de Sichuan o que confere a alguns pratos o duplo efeito de picante e entorpecimento dos lábios - o conceito málà (麻辣).
(Registe-se, com algum orgulho nacionalista, o dedo português nesta cozinha: enquanto a pimenta de Sichuan é nativa da região, os chilies só chegaram à China pela mão dos comerciantes portugueses no século XVI /XVII (muitas incongruências subsistem no caminho da especiaria; ler este interesante artigo))
 |
SICHUAN
Alguns dos pratos em exposição |
Da extensa panóplia de pratos característicos, dois há que me encantam e dos quais nunca me canso: o mapo doufou (tofu com molho málà) e a galinha kung pao.
 |
GUANGDONG
(Veja-se Macau, junto à costa, no centro) |
Já a culinária de Guangdong ou Cantão dispensa apresentações, mesmo aos menos habituados à gastronomia chinesa - com efeito, a maioria dos restaurantes chineses do Ocidente têm a base da sua cozinha assente na culinária desta região. Penso que, historicamente porque - nomeadamente no Oeste dos Estados Unidos - a primeira comunidade imigrante chinesa ser de origem maioritária cantonense, tendo o sucesso dos seus restaurantes inspirado a norma dos que, à sombra do mesmo, lhes seguiram.
 |
GUANGDONG
Alguns dos pratos em exposição |
A cozinha Yue, ou cantonense, tem fama de ser uma das mais requintadas da China. Sendo a província costeira, a sua gastronomia assenta fundamentalmente nos frutos do mar, realçando os seus sabores naturais e, naturalmente, dispensando o uso intensivo de especiarias. Usa técnicas de confecção simples e rápidas como a grelha ou a cozedura a vapor, que permitem manter e acentuar o sabor dos alimentos.
Talvez a sua confecção mais popular sejam os dim sum - literalmente "toca o coração" - à falta de melhor palavra, "snacks" de diferentes confecções e matérias-primas, genericamente um invólucro de várias possíveis massas com recheios deliciosos que tanto podem ser de carne, marisco ou vegetais.
 |
Um tipo de Dim Sum (Xiao Long Bao) no restaurante Yum Cha, em Oeiras |
 |
FUJIAN
(Note-se a reduzida área de planície (a verde): cerca de 10% da área total é arável mas de uma extrema produtividade) |
A Norte de Guangong mas igualmente costeira, a província de Fujian apresenta igualmente uma culinária distinta, herdeira das técnicas e condimentos trazidos pela etnia Han (para lá migrada,entre os séculos IV e X) com a adaptação necessária às características locais. Esta cozinha, igualmente conhecida como Min, assenta essencialmente na simplicidade da cozedura de modo a preservar os sabores originais dos ingredientes. A preparação de caldos e a cozedura a vapor são comuns.
 |
FUJIAN
Alguns dos pratos em exposição |
Um dos pratos mais divulgados da região e que foi apresentado no jantar é a Galinha cozinhada em sal à moda de Dongjiang: originalmente cozinhado envolto em sal, é preparado no presente numa salmoura, sendo posteriormente cozido em vapor ou no forno.
 |
ZHEJIANG |
Fazendo fronteira a Norte com Fujian, igualmente costeira, está a província de Zhejiang. A sua cozinha - Zhe - deriva do tronco comum da cozinha de Huaiyang onde se originam igualmente as de Xangai e Jiangsu. Com algumas técnicas comuns, apresenta, no entanto, características diferenciadoras como as que derivam do uso intensivo de alguns dos produtos mais afamados produzidos na região, como o chá produzido em Longjing, a norte de Hangzhou, capital da província, o presunto oriundo da cidade de Jinhua, ou os vinhos de arroz produzidos na região onde está situada a cidade de Shaoxing. Sabores delicados e pouco intensos, com a ênfase no uso de ingredientes frescos, são a tónica desta cozinha, recorrendo à cozedura em água ou a vapor para realçar os sabores naturais.
Entre os pratos mais notórios estão a Galinha do Mendigo, a Sopa de carne do Lago Ocidental, Camarões fritos com chá de Longjing, a Barriga de Porco Dongpo.
 |
ZHEJIANG
Alguns dos pratos em exposição |
Com a colaboração do restaurante Mandarim, do Casino Estoril, que assegurou a preparação e apresentação da selecção de pratos que representaram Guangdong e com cozinheiros vindos especialmente da China para a preparação dos pratos de Zhejiang e Fujian, o jantar representou uma muito interessante iniciação a algumas das riquezas culinárias do país, agora que correm os rumores de uma próxima abertura de um novo restaurante regional chinês, igualmente na zona da Expo.
Não termino sem referir a presença dos bolinhos da Lua, talvez a preparação mais popular durante o festival. Doces individuais, constituídos por uma masa fina a envolver um recheio doce que, tradicionalmente é de feijão vermelho (hongdou/chidou) , existindo no entanto inúmeras variantes como os recheios de sementes de lótus, feijão doce e gemas ou os mais recentes, de chocolate ou gelado. Símbolo da amizade e do espírito familiar prevalecentes num dia de festa de toda a comunidade oriental, aqui fica igualmente como símbolo do que poderá e deverá ser, ainda mais nestes tempos de extremos, uma vivência pacífica e fraternal entre todos os cidadãos desta cidade e deste país.
Comentários