Culinária de Lisboa #8 - Sopa Saloia

Querida Mô,

"Saloio!", gritou-me alguém despeitado, enquanto eu, exercendo o meu direito à flanerie, utilizava calmamente a passadeira. Mais um apressado, desesperado para chegar a tempo, chegar a casa, não chegar a parte nenhuma, apenas andar depressa, tensionado pelo trânsito absurdo de uma cidade de 490 mil habitantes (o que são 490 mil habitantes? Menos que a população de Málaga!), assediada pelo fluxo diário de mais de um milhão de vizinhos. Resultado dessa fuga para o aparentemente mais barato, estacionado em cima das anteriores hortas que tanto deram de comer à cidade capital, em campos que mantêm referências quase arqueológicas desse passado, asfixiadas pelos eucaliptos betonados que as cercam. Lugares de pouca alma e muito dormitório, de ainda menos arquitectura mas tanto cinzentismo.


Pelos vistos, ser saloio hoje é tentar encontrar o ritmo natural das coisas dentro da cidade, atrapalhando o stress dos novos habitantes da Saloiónica. Tempos houve que implicava ter um burro, patilhas farfalhudas e um barrete pendente, com direito a figuração em filme da Beatriz Costa. 

(autor: Joshua Benoliel, Arquivo Fotográfico Municipal)

Então, como agora, saloio era sinónimo de simplório, de mau gosto no vestir e nas maneiras, de alguma inadequação aos modos citadinos. Nesse sentido, sofremos como cidadãos desta cidade, de uma elevada carga de saloíce, tal a nossa inadequação aos tempos modernos. Não sabemos ser contemporâneos, nunca o soubemos, chegamos sempre atrasados à civilização, essa que nos chegava pelo correio, via Sud-Express, e agora nos chega electronicamente em tempo real mas que temos dificuldade em decifrar. E assimilar.

Saloio então me chamem quando atravesso a rua à velocidade de um turista, única veleidade revolucionária que este país de muitas leis e pouco tino me permite, numa cidade cheia de vorazes subúrbios que adormece cedo sem habitantes, numa Lisboa alfacinha de tradição mas já sem saloios para lhe produzirem a verdura.


SOPA SALOIA

0,5 kg feijão manteiga ou catarino; 1 cebola; 1 dl azeite; 1 molho de agrião; 2 c. sopa vinagre; 2 l água

Fica melhor se se comprar o feijão seco, deixando-se este de molho durante a noite. Coze-se. Em alternativa e porque os tempos não deixam muito espaço para estes procedimentos, experimente-se com o feijão já cozido que é vendido em tudo quanto é superfície comercial.

Faz-se um refogado com a cebola. Acrescenta-se o feijão e a água. Ferve dois 2 minutos. Retira-se um terço do feijão e reduz-se a puré o restante. Junta-se tudo, salga-se e acrescenta-se o agrião. Ferve. Antes de servir, acrescenta-se o vinagre.

Nota: Pode substituir-se o agrião por outra verdura e jogar-se com a quantidade de feijão que fica inteiro.

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