A França por regiões #13 - Midi-Pyrénées
Midi-Pyrénées, das faldas da cadeia montanhosa que, durante séculos, tamponou os bárbaros do Sul lá na sua península, ao planalto de Toulouse, terra de eleição do catarismo, de castelos, de reforma e contra-reforma... Região inventada, mosaico de diversas regiões social e culturalmente bem diversas, é natural que a gastronomia nela encontrada seja tão heterogénea como as gentes aí agrupadas. Gascões, languedocianos, pirenaicos, são alguns dos ainda orgulhosos da sua história e antepassados que defendem o direito a uma identidade própria, não dissolvida em reagrupamentos políticos, neste caso ditados pela vontade da V República em construir zonas de influência das cidades intermédias (Toulouse, no caso presente) como forma de contrabalançar o excessivo peso de Paris. Política economicamente acertada, culturalmente só o futuro o dirá.
Haverá proximidade entre Comminges
Saint-Bretrand-de-Comminges: ao centro a catedral, enquadrada entre o vale e a montanha (Fonte: wikimedia commons) |
e o vale do Lot, onde se encontram a cidade de Cahors,
e Saint-Cirque Lapopie?
Entre o bucólico e altamente romântico Canal du Midi
Canal du Midi, perto de Toulouse (fonte: wikimedia commons) |
(fonte: wikimedia commons ; autor: Mike Lehmann) |
Deixemos assim o nome para o Estado e a burocracia e partamos, numa viagem de descoberta das especialidades dos vários países que a compõem.
Vou ser parcial: a maior especialidade de todo este espaço é a igreja que mais me espantou na vida, esse rochedo de afirmação da ortodoxia catolico-romana, a Catedral Saint-Cécile em Albi.
Pudessem sempre os tempos amenizar o rancor e a prepotência dos homens como o fizeram aqui. Construída na sequência da derrota dos cátaros, começou por ser uma igreja-fortaleza, violenta e impositiva, uma clara advertência a qualquer um que tivesse a veleidade de contestar a doutrina oficial. Um carrancudo e mastodontico monolito, com a particularidade de ser construído em tijolo, o que acentuava o lado prático e erodia a eventual graça... da Graça. O Portal da entrada surgiu, dois séculos depois do início da sua construção quando a evolução dos gostos e a erradicação aparente dos hereges promoveram o uso de uma linguagem totalmente diversa, um esplendoroso gótico flamejante que apanha o visitante, vindo de respeitar mas não admirar a sisudez do edifício, totalmente desprevenido. Primeiro abanão. Entrados e desaparecida a momentânea cegueira do contraste luz-sombra, mais se arregalam os olhos perante o esplendor que continua, tabto nas formas como no tecto profusamente decorado em tons de dourado e azul. Eu sei, é ideologia, mas há momentos em que sabe bem voltar a ser criança.
Mesmo a tiracolo, o museu Toulouse-Lautrec, filho da cidade, traça o percurso artístico de quem tão bem soube fixar nos seus trabalhos o espírito da belle époque".
Anúncio (Museu Toulouse Lautrec) (fonte: wikimedia commons) |
Situada não muito longe, Toulouse é a pátria da Airbus e da Saucisse... de Toulouse, indispensável no cassoulet local, preparada unicamente com carne de porco (75% carne magra, 25% de carne da barriga) e, a solo, consumível grelhada, guisada ou confitada.
Um dos fabricantes artesanais da "Veritable saucisse de Toulouse" (fonte: http://au-terroir.fr/) |
As Violettes de Toulouse são, igualmente, um emblema da cidade, utilizadas em bombons, xarope ou licores, atingindo o topo da apreciação quando cristalizadas. (Usos culinários, aqui)
(fonte: http://volsul.over-blog.com) |
Para completar a trilogia, o Fénétra é o bolo por excelência de Toulouse, um bolo meringado de amêndoas com pedaços de limão confitado.
(fonte: http://du-sacre-au-sucre.blogspot.com/2008/03/le-fntra-de-la-bonbonnire.html) |
Já que estamos em maré de associações, Lautrec é a pátria do Ail rose (IGP, Label rouge), um alho ... como é bom de ver, de cor rosa e de prolongada conservação (algumas receitas).
E, se de alho falamos, no alho continuemos, com o alho branco de Lomagne (IGP), produzido por menos de uma centena de produtores, a noroeste de Toulouse, no Gers e em Tarn-et-Garonne.
(fonte: http://www.ailblancdelomagne.com/) |
Em Montauban (Tarn-et-Garonne) descobri eu o (melão) Melon du Quercy, uma peça magnífica, solar, de comer e ansiar por mais.
E neste Departamento é igualmente produzida a rainha cláudia (Reine Claude) é uma ameixa fortemente procurada a partir do meio do Verão, altura do seu aparecimento. De côr verde com tons rosados, gosto único, ácido e açucarado, é exigente no que respeita à mão-de-obra necessária para a sua produção e apanha, o que justifica o preço elevado que por ela pedem. Desde 1988 que tem um certificado Label Rouge. Aqui é igualmente produzida a Chasselas de Moissac (AOC), uma variedade de uva de mesa plena de açúcar e de gosto bem particular.
Mais ao Sul, o Haricot tarbais (IGP, Label Rouge), é o feijão ideal do cassoulet, vendido fresco ou seco.
(fonte:. http://marcdelage.unblog.fr) |
Nas carnes, é o (porco negro) Porc Noir Gascon que se destaca, com carne de gosto único e a partir do qual se prepara um presunto - o jambon noir Gascon - dum vermelho profundo e sabor característico, ligado à alimentação natural do animal. É salgado e seco durante um período mínimo de 18 meses.
Existe uma variedade de carne de vaca com atribuição de um Label Rouge, a Blonde d’Aquitaine.
Mas é nas aves, mais especificamente no pato, que reside a glória gastronómica da região. Vindo progressivamente a substituir o de ganso, o canard à foie gras du sud-ouest tem o lugar de honra mas também as restantes especialidades elaboradas a partir deste animal: confit, gesiers... Os patos mais reputados são os Mulards (espécie híbrida, resultante do cruzamento de machos da variedade Barbarie com fêmeas Pekin) a carne dos quais se presta a múltiplas preparações. Também se utilizam os canard de Barbarie. Nestes, só os machos são engordados para o foie gras!
Quanto a queijos, é a qualidade na diversidade: à cabeça o melhor queijo que a mão do homem criou, o Rocamadour (AOC).
De pasta mole, produzido unicamente com leite de cabra, cerca de 6 cm de diâmetro e pouco mais de 1.5 cm de espessura, a sua pasta é branca e eu prefiro-o cremoso, quase para comer à colher - numa baguete ainda morna é irresistível! Pertence à família dos cabecous.
(Ah, Rocamadour!... Belo pedaço de colina, efectivo caça-níqueis - é, a seguir a St. Michel, o segundo lugar religioso mais visitado de França - mas que merece a pena visitar, quanto mais não seja pela oportunidade de degustar os mais frescos Roca's do mundo!
Mas há também o bem-cheiroso Roquefort (AOC)
(fonte: wikimedia commons) |
talvez o mais reconhecido dos queijos azuis (mesmo assim ainda prefiro o Cabrales, esse montanhoso rapaz de nuestros hermanos asturianos), produzido a partir de leite de ovelha nas caves de Roquefort (pois....), as quais proporcionam o ambiente ideal para o desenvolvimento dos injectados fungos que lhe dão a característica côr.
Também o Bleu des Causses (AOC)
(fonte: formaggio.it) |
O Laguiole (AOC)
elaborado unicamente com leite de vaca, apresentado sob a forma de grandes cilindros, é vendido à fatia. O seu tom claro vai escurecendo com a cura. De pasta ligeiramente granulosa , tem um gosto muito pronunciado, com uma leve sugestão de avelã.
O Tomme des Pyrénées (IGP)
(fonte: http://www.fromage-online.de/seiten/bildergalerie.htm) |
sem denominação de origem protegida mas com indicação de origem protegida, é produzido com leite de vaca e apresentado sob a forma de um cilindro. Encontra-se à venda em duas variedades - crosta negra e crosta dourada -, tendo esta um tempo de cura superior ao da primeira.
De destilados, o Armagnac (AOC) é o imperador.
(fonte: wikimedia commons) |
mas o Floc de Gascogne (AOC), fruto da aliança entre o Armagnac e o suco de uva tem um lugar apreciável na constelação do país. É associado frequentemente ao foie gras e ao chocolate.
O sudoeste é uma activa região vinícola, produzindo tintos, brancos e rosés com várias denominações de origem: entre elas Cahors, Fronton, Gaillac, Côtes du Quercy, Madiran.
O Pacherenc du Vic Bilh (AOC) é produzido seco ou doce.
De restaurantes, um 3 estrelas, o Restaurant Bras, em Laguiole; 3 2 estrelas (Restaurant L'AMPHITRYON, em Colomiers; Restaurant MICHEL SARRAN, em Toulouse; Rrestaurant LE PUITS SAINT-JACQUES, em Pujaudran). Os sites são bem feitos mas deixam pouco espaço para a partilha, portanto deles aqui fica apenas o link para quem os quiser visitar.
Um destaque final para o site do Restaurant GOUTS ET COULEURS, do chef Jean-Luc Fau, em Rodez: ver esta galeria - vale a pena.
Comentários