Gastroescritas (fora de série): O Cheiro da Noite

(…) E chegaram os pirciati. Cheiravam a paraíso terrestre. O bigodudo ficou encostado à ombreira da porta, como que dispondo-se a assistir a um espectáculo. Montalbo resolveu deixar o cheiro entrar até ao fundo dos pulmões. Enquanto inspirava sofregamente, o outro falou.

- Quer uma garrafa de vinho à mão, antes de começar a comer?

O comissário fez sinal que sim com a cabeça, não tinha vontade de falar. À sua frente foi colocado um jarro, um litro de vinho muito denso. Montalbano encheu o copo e levou à boca a primeira garfada. Engasgou-se, tossiu, subiram-lhe as lágrimas aos olhos. Teve a sensação nítida de que todas as papilas gustativas tinham pegado fogo. Esvaziou de um só trago o copo de vinho, que, por sua vez, tinha uma graduação que não era para brincadeiras.

- Coma muito devagar e aos poucos – aconselhou-o o empregado-dono.
- O que é que tem cá dentro? - perguntou Montalbano ainda engasgado.
- Azeite, meia cebola, dois dentes de alho, duas anchovas salgadas, uma colher de alcaparras, azeitonas pretas, tomate, manjericão, meia malagueta picante, sal, queijo de ovelha e pimenta preta – enumerou o bigodudo com uma nota de sadismo na voz.
(...)

(Andrea Camilleri, O Cheiro da Noite, tradução de Simonetta Neto)

NOTAS
Pirciati é uma massa parecida com os bucatini; uma espécie de esparguete oco, mais grosso.

Os ingredientes são os constituintes do molho.

Não é tão picante assim. Salgado, especioso e a pedir muito vinho para acompanhamento, isso sim. Lingrinhas, estes polícias sicilianos de romance.

Os livros de Camilleri também valem a pena. Descobri este, perdido e ainda por ler, nos livros levados para as férias de 2004. Ficam escondidos às vezes, num canto da estante, para fazerem BU! quando passa um distraído. Este soube-se fazer esperar.

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No último ano..