GastronoVia
Temos comida de rua?
É o buzz mais buzz que me chegou aos ouvidos nos últimos tempos e parece ser a loucura em cidades que se fizeram cosmopolitas por via das inúmeras camadas migrantes que as foram construindo e preenchendo. É uma tendência? É uma moda? É a passagem à maioridade de uma cozinha para as classes operárias? É a orientalização do Primeiro Mundo?
Quem sabe.
Nós por cá, sempre arredados da primeira fila (ainda que, mercê da rapidez e facilidade de propagação da contemporaneidade, cada vez mais chegados às suas costas), continuamos a desdenhar e, consequentemente, a pouco exigir, da (reduzida) herança de passeio que recebemos.
Temos comida de rua em Lisboa? Temos alguma (e vou-me abster de pós-mencionar as roulotes pós-ASAE)...
Obviamente as outonais castanhas assadas. Ainda que aparoladas pela erudita proibição do seu embrulho em páginas da lista telefónica e amesquinhado o português desenrascanço do conjunto triciclo-assador (chegará o dia em que veremos dili-agentes públicos a medir a quantidade de dióxido de carbono expedido pelo assador), são um ex-libris do Outono: o seu odor anuncia-o e a sua ausência faz-nos ansiar pelos dias nevoentos de folhas caídas e cachecóis bem chegados ao pescoço.
São deliciosas quando bem feitas, aquecem-nos os dedos e a vida e deixam a milhas as pálidas imitações externas. É bem nacional aquele assador de barro, é bem nacional o silêncio que paira à sua volta, a mística de toda a cena, em que o vendedor é o oficiante e o fumo que sobe, os vapores do incenso.
Inevitáveis num tempo em que um homem não era bom chefe de família se não fosse à bola com o ir à bola domingo-sim-domingo-não (e ficar sentado à beira do rádio a ouvir o relato domingo-não-domingo-sim), os assadores junto aos estádios foram também comida de rua festiva. Um courato e uma cerveja que melhor maneira de entusiasmar para a refrega, festejar ou consolar?
Courato, courates, durante anos assim se declinou a fome futebolística. Sinónimo de pobreza de espírito ou de rudeza de gosto, estão quase erradicados da vida lisboeta (incidentalmente, os jogos domingueiros também), substituídos pelas higienizadas, desinfectadas, anestesiadas roulotes.
Talvez a mais tradicional e generalizada comida de rua, esteja, não na rua, mas virada para a rua, naquelas montras de fogão a tiracolo e expositor contíguo.
Bifanas, pipis, croquetes, chamuças, pasteis de bacalhau, ali bem à mão de semear, prontos a satisfazer o súbito desejo que surge a qualquer passante com atenção.
Haverá candidaturas para a mudança? Imaginação e mais compreensão precisam-se.
Vendedora de petiscos, 1907 (Autor: Joshua Benoliel ; Fonte: Arquivo Fotográfico de Lisboa) |
Quem sabe.
Nós por cá, sempre arredados da primeira fila (ainda que, mercê da rapidez e facilidade de propagação da contemporaneidade, cada vez mais chegados às suas costas), continuamos a desdenhar e, consequentemente, a pouco exigir, da (reduzida) herança de passeio que recebemos.
Temos comida de rua em Lisboa? Temos alguma (e vou-me abster de pós-mencionar as roulotes pós-ASAE)...
Obviamente as outonais castanhas assadas. Ainda que aparoladas pela erudita proibição do seu embrulho em páginas da lista telefónica e amesquinhado o português desenrascanço do conjunto triciclo-assador (chegará o dia em que veremos dili-agentes públicos a medir a quantidade de dióxido de carbono expedido pelo assador), são um ex-libris do Outono: o seu odor anuncia-o e a sua ausência faz-nos ansiar pelos dias nevoentos de folhas caídas e cachecóis bem chegados ao pescoço.
São deliciosas quando bem feitas, aquecem-nos os dedos e a vida e deixam a milhas as pálidas imitações externas. É bem nacional aquele assador de barro, é bem nacional o silêncio que paira à sua volta, a mística de toda a cena, em que o vendedor é o oficiante e o fumo que sobe, os vapores do incenso.
Inevitáveis num tempo em que um homem não era bom chefe de família se não fosse à bola com o ir à bola domingo-sim-domingo-não (e ficar sentado à beira do rádio a ouvir o relato domingo-não-domingo-sim), os assadores junto aos estádios foram também comida de rua festiva. Um courato e uma cerveja que melhor maneira de entusiasmar para a refrega, festejar ou consolar?
Courato, courates, durante anos assim se declinou a fome futebolística. Sinónimo de pobreza de espírito ou de rudeza de gosto, estão quase erradicados da vida lisboeta (incidentalmente, os jogos domingueiros também), substituídos pelas higienizadas, desinfectadas, anestesiadas roulotes.
Talvez a mais tradicional e generalizada comida de rua, esteja, não na rua, mas virada para a rua, naquelas montras de fogão a tiracolo e expositor contíguo.
Bifanas, pipis, croquetes, chamuças, pasteis de bacalhau, ali bem à mão de semear, prontos a satisfazer o súbito desejo que surge a qualquer passante com atenção.
Haverá candidaturas para a mudança? Imaginação e mais compreensão precisam-se.
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