Gastroescritas - Guia Culinário da Praia da Aguda

[Intróito:
Assistia eu ontem a uma entrevista televisiva no intuito de melhor compreender a decisão dos grandes  accionistas portugueses se retirarem com armas e papeis para mercados mais favoráveis quando algumas frases me chamaram a atenção. Dizia o entrevistado que, mais importante do que andar a discutir esta questão contextualmente menor, seria o Parlamento debater o que a troika no seu relatório considerou como indícios de abuso de posição dominante no relacionamento entre as grandes superfícies e os produtores. Expressões como "esmagamento de preços", "prazos de pagamento incomportáveis" foram utilizadas levando-me a constatar de que ainda há cidadãos que não só sabem pensar como têm coragem de expressar publicamente esta evidência que o poder teima em oficialmente ignorar.]


Ao voltar a folhear este precioso, delicioso, informativo livro - que não só ensina muitos dos modos locais de preparações culinárias como regista e descreve para memória futura toda a matéria prima marítima disponível na praia da Aguda (na costa de Vila Nova de Gaia, sul do Porto) - para o aqui apresentar, reencontrei a seguinte frase:

"Alguns dos peixes referidos, como por exemplo as ranhosas, os bodiões e as salemas, não aparecem na lota por falta de procura. "

E ao lamentar a perca da experiência de prova de qualquer destas espécies a que muitos estarão sujeitos por não terem por fornecedor um peixeiro com suficiente codícia para os comprar e revender ensinando, não pude deixar de me lembrar da tal "posição dominante" e da eliminação de uma significativa maioria do tecido das micro-empresas de comércio alimentar verificada nas duas últimas décadas. Onde está o peixeiro de bairro, conhecedor de uns e outros? Onde o pequeno comércio de proximidade? Tudo levado pelo rolo compressor da grande distribuição.

Voltando à obra...

78 receitas para 37 peixes, 8 crustáceos e 7 moluscos, dos quais pelo menos a

azevia, badejo, camarão, carapau, cavala, choco, choupa, congro, dourada (legítima), faneca, linguado, lula, mexilhão, navalheira, percebe, pescada, polvo, raia, robalo (legítimo), rodovalho, ruivo, salmonete, sardinha, sargo, sável, solha, taínha, tamboril, trac-trac,

de Janeiro a Dezembro, umas vezes não, umas vezes ocasionalmente, outras abundantemente, são adquiríveis na lota da praia da Aguda. Que "começou por ser feita no grande areal, em seis compridas mesas de madeira, colocadas perto da linha da maré, conforme o estado do mar. Depois esteve provisoriamente instalada ao lado da Casa dos Pescadores, na Rua do Mar, não passando de um caminho primitivo de areia onde o pescado era colocado em caixas de madeira, no chão, Ainda antes dos anos cinquenta, a lota foi implantada no sítio actual. (...)"

Fiquei curioso com o trac-trac (vocês não ficaram?). Ensina o livro que é a denominação local para o peixe-porco (balistes carolinensis para os eruditos de linnaeus), peixinho de alguma dimensão (até 40 cm), "corpo alto de forma oval, comprimido lateralmente, de cor cinzento-esverdeada com manchas-azuis; tem três espinhos típicos na primeira barbatana dorsal (o primeiro raio é usado para se fixar em cavidades rochosas)". E indica também uma receita de filetes, com molho de vinho branco. Receita simples, de filetes marinados em limão e molho inglês, passados em farinha e fritos, regados com um molho de cebola refogada e estufada com limão e vinhho branco. Simples, mas eficaz (ainda que o molho inglês...)

Aconselho rapidez na procura porque, estando cada vez mais as livrarias atacadas pela febre da renovação-devolução constante, poucos espaços mantêm para obras de saída mais lenta. Ou se compra logo ou muito haverá que palmilhar pela net até as descobrir...

GUIA CULINÁRIO DA PRAIA DA AGUDA, Mike Weber, Assunção Santos, Ana Ferreira, Ed. Afrontamento, Porto, 2ª Edição Junho de 2011

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