Requiem pela Ginjinha
Levantou alguma indignação a notícia recente da denúncia do contrato de arrendamento do espaço onde, há cento e vinte anos, funciona a Ginjinha Sem Rival, na rua das Portas de Santo Antão, coração da Baixa lisboeta.
Quase em frente ao local onde, há alguns anos, a Câmara Municipal mandou colocar um memorial em homenagem ao mortos no pogrom lisboeta de 1506 e a fazer proclamar, em 36 línguas, Lisboa como cidade da tolerância, parece criar-se um exemplar caso de intolerância para com o património cultural e gastronómico da cidade o qual, infelizmente, será apenas mais um no recente historial de atentados à memória popular lisboeta.
Demonstrativo da distância colossal que separa as boas intenções da realidade e os discursos da inércia em fazer cumprir o prometido, demonstrativo igualmente da discrepância entre palavras e actos, o senhorial chuto no traseiro que os aparentemente futuros ex-inquilinos se preparam para levar no próximo dia 1 de Julho diz muito do caminho que turismo e gastronomia trilham nesta década de pouca graça (não é década; é décadas, cada uma herdeira da anterior e apostada em refinar asneiras comportamentais e ideológicas).
Bem podem os responsáveis levantar-se para recusar, enérgicos & indignados, a acusação de se estar a promover um turismo de pacotilha, fundado em restaurantes de plástico e casas de petiscos assépticas e acéfalas, em que muito pouco do reclamadamente tradicional tem raízes nos séculos passados, numa lógica de parque temático rasca e banal (ora aí estão duas palavras da tradição que bem se aplicam a este presente!). Mas como disfarçar a realidade, este fecho abusivo de casas de pasto e populares restaurantes, esta substituição do que dava identidade, satisfação, sentido de pertença a cidadãos e visitantes, esta inoxização de marmoreados balcões, este neonar de fachadas, esta higienização dos cheiros e dos sabores? Como negar a evidência de que, acentuadamente, vendemos a alma ao pataco e Lisboa ao pilim?
Oficioso, explica-nos o responsável camarário que foi assegurada a continuação do espaço - preservado e nas mesmas funções. Claro como a água.
argumento recorrente e camarariamente aceite.
Mesmo que a função do espaço continue depois das obras, de que rivalidade se livrará a próxima Ginjinha? Com certeza a da modernidade, a do neo-ktisch-típico, como já aconteceu, entre outros, à Tendinha ou ao Merendinha-Bar.
E estamos nós a pagar para isto.
Quase em frente ao local onde, há alguns anos, a Câmara Municipal mandou colocar um memorial em homenagem ao mortos no pogrom lisboeta de 1506 e a fazer proclamar, em 36 línguas, Lisboa como cidade da tolerância, parece criar-se um exemplar caso de intolerância para com o património cultural e gastronómico da cidade o qual, infelizmente, será apenas mais um no recente historial de atentados à memória popular lisboeta.
(Fonte: Wikipedia) |
Bem podem os responsáveis levantar-se para recusar, enérgicos & indignados, a acusação de se estar a promover um turismo de pacotilha, fundado em restaurantes de plástico e casas de petiscos assépticas e acéfalas, em que muito pouco do reclamadamente tradicional tem raízes nos séculos passados, numa lógica de parque temático rasca e banal (ora aí estão duas palavras da tradição que bem se aplicam a este presente!). Mas como disfarçar a realidade, este fecho abusivo de casas de pasto e populares restaurantes, esta substituição do que dava identidade, satisfação, sentido de pertença a cidadãos e visitantes, esta inoxização de marmoreados balcões, este neonar de fachadas, esta higienização dos cheiros e dos sabores? Como negar a evidência de que, acentuadamente, vendemos a alma ao pataco e Lisboa ao pilim?
Merendinha-Bar ou a Casa das Limonadas, junto ao antigo tribunal da Boa Hora: a very pitoresca thing... |
argumento recorrente e camarariamente aceite.
Mesmo que a função do espaço continue depois das obras, de que rivalidade se livrará a próxima Ginjinha? Com certeza a da modernidade, a do neo-ktisch-típico, como já aconteceu, entre outros, à Tendinha ou ao Merendinha-Bar.
"Junto ao arco da bandeira / Há uma casa, a Tendinha / De aspecto rasca e banal" Havia. Rasca já era, banal é-o muito mais. |
Comentários
Na próxima 4ª feira, dia 26, aparece na Ginjinha sem rival às 20h.
Assim, de copo de ginja na mão, para dizeres não. "
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