Para o bem da gastronomia portuguesa?
Quando me aconteço estrangeiro, gosto de ir ao encontro da estranheza e da descoberta tirar o maior partido.
Quando me aconteço estrangeiro, gosto de sentir, nas casas de comida que visito, que essa condição me é respeitada: não cabe aos locais vir ao meu encontro em garreirices estilizadas ou versões adulteradas do que pensam ser as minhas preferências - sou eu que devo (e quero!) fazer a caminhada ao encontro da sua natureza e da sua qualidade, esperando que a mesma seja realmente genuína e cuidada.
Deploro quem se dispõe a viajar quilómetros para exigir sentir-se como se nunca tivesse saído de casa.
Deploro ainda mais quem considere esse um direito inalienável de qualquer visitante e, submissamente, se desprenda da sua identidade, abastardando-se num servilismo sem reconhecimento.
Reflicto sobre este tema depois de ler mais uma notícia sobre a constituição do enésimo grupo de trabalho nomeado para determinar a melhor forma de serem gastos uns milhões de euros na promoção extra-muros da gastronomia portuguesa.
(É inevitável: para cada ideia política vaga, nasce em Portugal uma comissão.)
Não me surpreende que os nomes ora lançados pela comunicação social não tenham, no seu currículo profissional, actividade relevante ligada à gastronomia. Se comentadores políticos peroram sobre futebol como se profissionais da área fossem, se fadistas se elegem deputados municipais e sobre reabilitação urbana opinam como técnicos de carreira longa, se membros pós-adolescentes de juventudes partidárias administram empresas públicas como habilitados gestores de topo, porque haveria de surpreender que, para decidir sobre a gastronomia portuguesa e a sua divulgação, se escolham personalidades cuja única valência curricular que possuem na área seja o facto de viajarem muito e comerem bem?
O que efectivamente me surpreende é que se continue a nada aprender com os erros do passado. (link)
Que se continue a querer promover à força algo que ainda está por oficialmente definir - o que é a "gastronomia portuguesa"?
- Os pasteis de Belém das filas à porta e colapso rápido que um ministro acreditou serem a ideal cara de Portugal para o mundo, capazes de gerar incomensuráveis benefícios com a sua distribuição pelas pastelarias de cada esquina de cada cosmopolita cidade do mundo?
- O peixe que muitos, por certeza, fé ou simpatia, insistem em considerar o melhor do mundo mas cujas múltiplas variedades e melhores modos de preparar permanecem por descobrir nacionalmente fora do núcleo restrito do seu local de pesca?
- A dezena de raças bovinas autóctones DOP, algumas sem produção suficiente para entrar no circuito de comercialização, produtos tão de nicho que permanecem desconhecidos para a maioria dos consumidores, sem informação nem formação, produtos que permanecem, apesar da classificação, sem definição aprofundada das características sensoriais que os tornam únicos e diferenciáveis?
- Os pratos regionais abastardados, nas matérias primas utilizadas, na confecção, nas variações, inventivas mas desvirtuadoras?
Que gastronomia portuguesa?
A que, aparentemente serve o consenso de poderes amantes do glamour e de consumidores - nacionais ou estrangeiros - desprovidos de cultura gastronómica nacional,
- Praticada nos infelizes restaurantes de "fine dining", com tempos médios de vida inferiores a cinco anos, sem tempo para consolidar um projecto, uma cozinha (sendo, portanto, em termos de imagem e caminho gastronómico nacional, uma não-referência),
- Praticada nos restaurantes de topo, com chefes estrangeiros e gerência de outras fronteiras (e que são, apesar das matérias-primas nacionais, mais uma versão local de ideias e modos internacionais, um objecto estranho, alheio à herança e à cultura gastronómica local),
- Praticada nos restaurantes populares, obrigados pela crise, pela diminuição de clientes, pelo aumento do IVA, pela necessidade de sobrevivência, a diminuir na qualidade o que não podem aumentar no preço de venda,
- Praticada nos higienizados, internacionalizados, modernizados, ex-estabelecimentos com história, transformados em very typical caça-níqueis de comida sem gosto adaptada ao pretenso gosto de quem visita?
Conhecerão, a fundo, estes cônsules, a matéria para a qual inventarão uma estratégia propagandística? Será, na sua óptica, importante conhecê-la ou considerarão que o importante é vender, não importa o quê, desde que o consumidor se sinta saciado, apaziguado e liberto dos necessários euros?
Quando me aconteço estrangeiro, gosto de sentir, nas casas de comida que visito, que essa condição me é respeitada: não cabe aos locais vir ao meu encontro em garreirices estilizadas ou versões adulteradas do que pensam ser as minhas preferências - sou eu que devo (e quero!) fazer a caminhada ao encontro da sua natureza e da sua qualidade, esperando que a mesma seja realmente genuína e cuidada.
Deploro quem se dispõe a viajar quilómetros para exigir sentir-se como se nunca tivesse saído de casa.
Deploro ainda mais quem considere esse um direito inalienável de qualquer visitante e, submissamente, se desprenda da sua identidade, abastardando-se num servilismo sem reconhecimento.
Reflicto sobre este tema depois de ler mais uma notícia sobre a constituição do enésimo grupo de trabalho nomeado para determinar a melhor forma de serem gastos uns milhões de euros na promoção extra-muros da gastronomia portuguesa.
(É inevitável: para cada ideia política vaga, nasce em Portugal uma comissão.)
Não me surpreende que os nomes ora lançados pela comunicação social não tenham, no seu currículo profissional, actividade relevante ligada à gastronomia. Se comentadores políticos peroram sobre futebol como se profissionais da área fossem, se fadistas se elegem deputados municipais e sobre reabilitação urbana opinam como técnicos de carreira longa, se membros pós-adolescentes de juventudes partidárias administram empresas públicas como habilitados gestores de topo, porque haveria de surpreender que, para decidir sobre a gastronomia portuguesa e a sua divulgação, se escolham personalidades cuja única valência curricular que possuem na área seja o facto de viajarem muito e comerem bem?
(Fonte: http://mulai-jap.wikispaces.com/Conclusions) |
Que se continue a querer promover à força algo que ainda está por oficialmente definir - o que é a "gastronomia portuguesa"?
- Os pasteis de Belém das filas à porta e colapso rápido que um ministro acreditou serem a ideal cara de Portugal para o mundo, capazes de gerar incomensuráveis benefícios com a sua distribuição pelas pastelarias de cada esquina de cada cosmopolita cidade do mundo?
- O peixe que muitos, por certeza, fé ou simpatia, insistem em considerar o melhor do mundo mas cujas múltiplas variedades e melhores modos de preparar permanecem por descobrir nacionalmente fora do núcleo restrito do seu local de pesca?
- A dezena de raças bovinas autóctones DOP, algumas sem produção suficiente para entrar no circuito de comercialização, produtos tão de nicho que permanecem desconhecidos para a maioria dos consumidores, sem informação nem formação, produtos que permanecem, apesar da classificação, sem definição aprofundada das características sensoriais que os tornam únicos e diferenciáveis?
- Os pratos regionais abastardados, nas matérias primas utilizadas, na confecção, nas variações, inventivas mas desvirtuadoras?
Que gastronomia portuguesa?
A que, aparentemente serve o consenso de poderes amantes do glamour e de consumidores - nacionais ou estrangeiros - desprovidos de cultura gastronómica nacional,
- Praticada nos infelizes restaurantes de "fine dining", com tempos médios de vida inferiores a cinco anos, sem tempo para consolidar um projecto, uma cozinha (sendo, portanto, em termos de imagem e caminho gastronómico nacional, uma não-referência),
- Praticada nos restaurantes de topo, com chefes estrangeiros e gerência de outras fronteiras (e que são, apesar das matérias-primas nacionais, mais uma versão local de ideias e modos internacionais, um objecto estranho, alheio à herança e à cultura gastronómica local),
- Praticada nos restaurantes populares, obrigados pela crise, pela diminuição de clientes, pelo aumento do IVA, pela necessidade de sobrevivência, a diminuir na qualidade o que não podem aumentar no preço de venda,
- Praticada nos higienizados, internacionalizados, modernizados, ex-estabelecimentos com história, transformados em very typical caça-níqueis de comida sem gosto adaptada ao pretenso gosto de quem visita?
Conhecerão, a fundo, estes cônsules, a matéria para a qual inventarão uma estratégia propagandística? Será, na sua óptica, importante conhecê-la ou considerarão que o importante é vender, não importa o quê, desde que o consumidor se sinta saciado, apaziguado e liberto dos necessários euros?
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