Intolerâncias alimentares
Duas notícias aparentemente desconexas e que só à superfíce se afastam do tema principal deste blog.
Até hoje, a frisson literária mais recente, na França que se pensa, estava relacionada com a temática do agora publicado romance de Michel Houellebecq, Soumission : em 2022, o país prepara-se para a segunda volta da eleição presidencial, onde os dois candidatos são Marine Le Pen e Mohammed Ben Abbes, candidato da Fraternidade Muçulmana, partido islâmico, por enquanto do domínio exclusivo da ficção. Até hoje, discutia-se o grau de xenofobia do autor, a impossibilidade, derivada da incredulidade, de tal cenário. A França, pátria da trilogia liberdade/igualdade/fraternidade nunca se permitiria colocar numa situação de escolha entre duas oposições a essa mesma trilogia, uma "caseira", outra, importada. Escolher entre um "nosso" repugnante ou um "outro" que repugna.
Hoje, essa discussão parece de somenos, perante o horror da realidade: 12 pessoas assassinadas a rajadas de kalashnikov, em plena redacção da revista Charlie Hebdo, em nome da opressão da expressão. Intrinsecamente filhos europeus do pós-guerra, todo o nosso ser se revolta. Cultores da nossa liberdade, apreciadores da liberdade da sociedade que compomos, torna-se difícil ver tentativas, como esta , de impor outros valores, uma outra cultura, ao continente herdeiro dos valores atenienses.
Capa do Charlie Hebdo em Novembro de 2011, dias depois de um atentado à bomba que destruiu a redacção.(via Observador) |
Nesta intolerância em relação ao outro, em relação ao que pensa diferente, integra-se, parece-me, a secular intolerância a alguns alimentos a que algumas religiões obrigam. Se, desde a primeira consciência do mundo, lhe é ensinado que algo tão fundamental para a sua sobrevivência se divide entre o bem e o mal, se se destina à punição todo aquele que ousar comer diferente - e essa diferença é controlada e supervisionada pelos próprios fornecedores -, poderá deixar de crescer intolerante quem assim é doutrinado?
Comentários
Apesar de cozinheiro estudei e terminei o curso de filosofia pela univesidade católica e, lamento que, afinal, 007 não tenha morrido definitivamente e que Hegel pareça ter razão.
Cumprimentos
João Isidro