Algarve, roadbook parte 5 - Sagres


No âmbito do Festival da Dieta Mediterrânica, integrado no projecto SlowMed, organizado localmente pela In Loco, no âmbito de uma cooperação inter-estados mediterrânicos, com o apoio da UE, foi organizado um percurso gastronómico por todo o Algarve, com o intuito de dar a conhecer, aos participantes estrangeiros e não só, algumas das especialidades da região.

Magical Mystery Tour, lhe chamaram e teve um pouco de cada: a magia que as paisagens emprestam, da placidez do Guadiana, junto a Alcoutim, à vertigem do promontório de Sagres, o mistério dos saberes ancestrais que transforma cada matéria prima em deliciosas - à vista e ao sabor - preparações.

Nesta série, impressões e visões das várias paragens.



Em Sagres, é inevitável. Fronteira da gesta portuguesa que o Estado Novo herdou e fez por engrandecer, na sequência de uma corrente nacionalista que lhe veio tanto do Romantismo oitocentista quanto das modas dos partidos irmãos europeus.

Não discuto - porque para tanto me não chega a erudição - a veracidade da história, do infante solitário esperando a visão das velas regressadas com boas novas, do cimo do promontório. Parece-me mais lenda que realidade, mas, perante este cenário, who cares?

Prefiro deixar racionalismos de lado e adoptar a lenda - também eu perscrutei o horizonte, deixando-me embalar na beleza do pôr-do-Sol, nas cores serenamente mutantes, a zoada constante das ondas e uma ventania capaz de fazer oscilar os mais bem constituídos.



E escutei o Pessoa que decorei há muito, nas férias da sua descoberta, passadas não muito longe fisicamente (em Lagos) mas tão longínquas temporalmente:

Com duas mãos – o Acto e o Destino –
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho tremulo e divino
E a outra afasta o véu

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar! 
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Chega de poesia escrita.


Olhei em volta e pensei nas diferentes reacções que tamanho cenário estaria a provocar nos restantes companheiros de viagem: uma admiração puramente geográfica para a maioria, eventualmente o reviver de emoções relacionadas com a evocação subconsciente de memórias, a poucos o privilégio de conhecerem o poeta, mesmo que numa fase mais panfletária.

(Fonte: Festival Internacional Slow Med)
Sagres. Terra e mar no seu limite. Fés diversas do passado e do presente. No passado e no futuro.


Quanto ao presente, esperava-nos mais uma demonstração em força da vitalidade mas também da diversidade da produção e oferta gastronómica da região. Passar, com uma hora de viagem, de uma linguagem serrana, de pão e carne, produtos da terra e aromas de medronho, para uma intensidade de frescura marinha, de gostos e sensações radicalmente opostas, é a imagem de um Algarve múltiplo, que conseguiu resistir à terraplenagem turística e à desertificação populacional. É amá-lo por isso e, principalmente, saboreá-lo.

O concelho de Vila do Bispo, onde se integra Sagres, orgulha-se muito justamente dos seus frutos do mar.


Organizado pela Associação dos Marisqueiros de Vila do Bispo, o Festival do Percebe realizaria a sua IV edição no fim de semana próximo. Ostras, mexilhões, burgaus, lapas, no programa. À nossa espera, explorado o horizonte, evocado o Infante, enchidos os pulmões de ar salino, uma profusão de percebes e um festim de ostras.




(Fonte: Município de Vila do Bispo)
E, voltando a Pessoa, passada a estranheza da  forma e do modo de os comer, entranhou-se em todos os que os encontravam pela primeira vez a vontade de os repetir; de, novamente, sentir a vivacidade do mar. Entre eles e as magníficas ostras, se passou uma hora de animado bruaá, interrompido por silenciosos suspiros quando se descobriam as plaisanteries de queijo de figo, do restaurante Eira do Mel.

(Fonte: Município de Vila do Bispo)

(Fonte: Município de Vila do Bispo)


Terminava a sessão com um licor da Herdade das Romeiras,



e, de (mais um) sorriso nos lábios adocicados, à noite entregávamos o corpo, num descanso breve, que já em Portimão éramos esperados.

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