Klein Apartamento
"Cooking smells of all countries hang over the City, a haze of opium, hashish, the resinous red smoke of yugé, smell of the jungle and salt water and the rotting river and dried excrement and sweat and genitals."
Burroughs falava de uma outra cidade, neste trecho do Naked Lunch sobre a qual se anunciava o jantar, mas a frase é passível de ser adaptada a esta Lisboa, cada vez mais cosmopolita, e às experiências gastronómicas, em diversificação crescente, que nela podemos experimentar. Eppur si muove!, apetece dizer, apesar das crises múltiplas, do IVA a 23% (que parece não ser impecilho para as centenas de novos restaurantes abertos desde a imposição da medida), da ASAE, do HACCP, das cópias poucochinhas, das modas redutoras, da ainda pouca exigência clientelar.
O jantar.
"Olá Pedro, tudo bem? Vamos ter um jantar da Klein Agency, uma agência de designers de Antuérpia, aqui n’O Apartamento. Eles são um casal que faz projecto de design de interiores e de produto, mas que começaram a fazer jantares no seu loft industrial numa zona portuária de Antuérpia e hoje em dia têm tantas inscrições em cada jantar que três minutos depois de enviarem à mailing list a nova data recebem centenas de emails. Eles inspiram-se sempre na origem de um deles, a California. Aqui vão fazer uma mistura entre esses sabores e ingredientes portugueses num menu de seis pratos."
Assim, em forma de convite, se tinha anunciado o jantar, uns dias antes, tempo suficiente para buscar informação complementar à já fornecida pela dinâmica equipa da Plataform-a.
"We are
K l e i n.
We are an agency.
Whether we are engaged in furniture, design, design/build interior architecture, brand strategy, California brunch, private dinner clubs, or just plain and simple red wine drinking...
We find elegant solutions to our most basic needs as warm blooded beings."
A gestão do gosto a juntar-se à obrigatória gestão das formas e sua conjugação com a função. Boa promessa.
O jantar.
À hora combinada (mais os minutos de atraso que o atravessar da cidade ao fim do dia, a passo acelerado de travagem, implica) bato à porta de O Apartamento.
"O Apartamento is all about connecting people. Purpose? Be an accelerator of urban particles, creating synergies and promoting creative projects. My mission in this project is bring the world to Portugal, and introduce the best of Portugal to the world, through creative monthly events, such as exhibitions, workshops, artistic residences, pop up stores, private dinners." (palavras de Paula Cosme Pinto, um dos três pilares da equipa criativa que o gere; os outros são Inês Matos Andrade, Armando Ribeiro e Vasco Oliveira)
Acelerar partículas. A casa é assim um CERN-em-Lisboa, captador do ar do tempo, de outros ares. Malabarismos construtivos. Pontes para novas margens.
"In a five room apartment, completely prepared to host guests and to welcome visitors, each three months o Apartamento will bring to lisboa a worldwide magazine with a creative project associated, artistic ersidences, pop up stores, private dinners, exhibitions, workshops. Everything cam happen at O Apartamento. The only rule is sharing."
O jantar.
No teaser enviado na véspera, uma panóplia de ingredientes de origens diversas, das gramíneas andinas aos fermentados asiáticos. Uma cozinha do mundo se anunciava assim, expressão contemporânea da curiosidade pelo outro, da procura de novas combinações de sabores, reagrupar de camadas de flavours.
Na mesa comprida, de convivas expectantes preenchida, um conjunto de páginas de Burroughs...
e um incomum aperitivo de entrada, espumante, vodca, figo e tomilho.
Timidamente (acredito que seja intimidante esta exuberância que nos irrompe à mesa e que contrapomos ao lado soturno e de xaile negro fadista vestido com que os outros nos identificam), e à vez, Jon Kleinhample (californiano, arquitecto, designer, artesão, cozinheiro) e Maša Lončarič (eslvena, designer, cozinheira) apresentaram-se e aos diversos pratos que iam colocando à frente de cada conviva.
1. Quinoa vermelha e preta, Couve, Cogumelos Shiitake e Hog (boletus eduli), Abacate, Shiitake desidratado, Flor de Sal, Pimenta preta, Ovas, Caldo de cogumelo, IPA
("Day of the Dead: I got the chucks and ate my little Willy’s sugar skull. He cried and I had to go out for another. Walked past the cocktail lounge where they blasted the Jai Lai bookie.")
Simbolicamente, o vazio que ocupava grande parte do copo serviu como a caminhada do neófito perante a primeira prova iniciática: o que irei encontrar? o que sentirei? Nesse pequeno momento, em que a colher procurava apanhar parte do disposto no fundo, se concentrou a essência deste jantar - um salto deliberado para o desconhecido, a vontade de descobrir.
A primeira descoberta foi a dos diversos sabores de terra, sob várias texturas - os cogumelos, as quinoas, a couve (e que insuspeito sabor subtil trouxe a couve semi-cozida) - acentuados pela flor de sal e a pimenta, e que a untuosidade do abacate iluminava de uma outra maneira. Surpresa, prazenteira surpresa, aconteceu com o primeiro encontro com uma ova: explosão de um novo sabor, a mar, dissonante mas integrável. Original proposta de surf&turf, a provocar a discussão, a desafiar.
Bom início.
2. Rúcula, Limão, Azeite, Mel, Tomate, Crazy Water, Cebolinho, Shiso, Molho de peixe, Alga Nori torrada, Fermento (sourdough)
("In Cuernavaca or was it Taxco? Jane meets a pimp trombone player and disappears in a cloud of tea smoke. The pimp is one of these vibration and dietary artists")
Improvável homenagem às mais portuguesas das cores, nesta salada a estrela foi a "crazy water", extracção lenta e filtrada da água do tomate, concentrado de umami, alguma acidez, aumentados com os igualmente contidos no molho de peixe, na alga nori e no sumo de limão. Tivesse ocorrido o jantar no pino do Verão e no pico do sabor solar do tomate e o prato ainda hoje nos ecoaria nas papilas gustativas. Apesar da decrescente intensidade daqueles, ainda assim uma combinação a reter.
3. Cenouras bebé, Chutney de lima, Cebola doce, Massa de pão queimada, Leite de Amêndoa, Azeite, Batata dourada, Lima, Serrano, Mel, Pó de Amêndoa
("He was continually enlarging his theories… he would quiz a chick and threaten to walk out if she hadn’t memorized every nuance of his latest assault on logic")
Talvez o maior indício da ligação - afectiva, intelectual - aos princípios definidos e defendidos pela New Nordic Cuisine. Simplicidade na apresentação e na concepção, complexidade de sabores, ligação às memórias e um passo para a comunicação com o mundo. Cenouras "fumadas" e o sabor básico e acre da massa de pão queimada, amaciados pelo leite de amêndoa. Degustando lentamente, surgiam sugestões dos outros componentes, acidez, texturas diversas.
Um prato de outras latitudes, apelativo. Fumo, doce, amargura...
4. Salmão, Sumo verde, Manjericão púrpura
("“Now, baby. I got it here to give. But if you won’t receive it there’s just nothing I can do.”")
Este prato nasceu de um equívoco e de um receio: por julgar-nos comedores quase diários de bacalhau e por recear falhar na reinterpretação de um peixe que nos é tão caro, optou John por utilizar o salmão (porventura, no presente, mais consumido em Lisboa que o bacalhau). Em boa hora o fez. Pedaços de salmão curado, num molho verde acídulo - pimentos, aipo, pepino, gengibre -, perfumados intensamente pelo manjericão.
Simples. Saboroso.
5. Acém (Beef short rib), Alicante Bouschet, Cenoura, Aipo, Louro, Tomate, Cebola branca, Alecrim, Vinagre de xerez, Chicória / Raddichio, Nozes-macadâmia, Pickle fresco, Milho rosa, Ricotta, Farinha, Ovos
("He claimed tea put him in touch with supra blue gravitational fields. He had ideas on every subject: what kind of underwear was healthy, when to drink water, and how to wipe your ass. ")
O prato menos conseguido da noite, desequilibrado pela excessivo pickle de pepino, a chamar a si a dominância de gosto. Texturalmente muito igual, muito pastoso, apesar das nozes-macadâmia. Precisamente por não se distanciar, no que lhe era essencial. dos guisados nacionais - perdendo, pois, o entusiasmo da novidade - apareceu corriqueiro.
6. Mascarpone, Queijo creme, Bolachas Graham Craker, Açúcar, Natas, Pimenta Togarashi, Casca de laranja, Diospiro
("eyes that lit up when he looked at a chick and went out when he looked at anything else. His shoulders were very broad and suggested deformity.")
Só pecou por reduzida, esta combinação de contrastes, cremoso e granuloso, doce e picante. Proposta interessante, a requerer mais prova e mais experimentação, bom final para um muito interessante jantar.
Venham mais experiências e partilhas neste Apartamento aberto à criação!
Burroughs falava de uma outra cidade, neste trecho do Naked Lunch sobre a qual se anunciava o jantar, mas a frase é passível de ser adaptada a esta Lisboa, cada vez mais cosmopolita, e às experiências gastronómicas, em diversificação crescente, que nela podemos experimentar. Eppur si muove!, apetece dizer, apesar das crises múltiplas, do IVA a 23% (que parece não ser impecilho para as centenas de novos restaurantes abertos desde a imposição da medida), da ASAE, do HACCP, das cópias poucochinhas, das modas redutoras, da ainda pouca exigência clientelar.
O jantar.
"Olá Pedro, tudo bem? Vamos ter um jantar da Klein Agency, uma agência de designers de Antuérpia, aqui n’O Apartamento. Eles são um casal que faz projecto de design de interiores e de produto, mas que começaram a fazer jantares no seu loft industrial numa zona portuária de Antuérpia e hoje em dia têm tantas inscrições em cada jantar que três minutos depois de enviarem à mailing list a nova data recebem centenas de emails. Eles inspiram-se sempre na origem de um deles, a California. Aqui vão fazer uma mistura entre esses sabores e ingredientes portugueses num menu de seis pratos."
Assim, em forma de convite, se tinha anunciado o jantar, uns dias antes, tempo suficiente para buscar informação complementar à já fornecida pela dinâmica equipa da Plataform-a.
"We are
K l e i n.
We are an agency.
Whether we are engaged in furniture, design, design/build interior architecture, brand strategy, California brunch, private dinner clubs, or just plain and simple red wine drinking...
We find elegant solutions to our most basic needs as warm blooded beings."
A gestão do gosto a juntar-se à obrigatória gestão das formas e sua conjugação com a função. Boa promessa.
O jantar.
À hora combinada (mais os minutos de atraso que o atravessar da cidade ao fim do dia, a passo acelerado de travagem, implica) bato à porta de O Apartamento.
"O Apartamento is all about connecting people. Purpose? Be an accelerator of urban particles, creating synergies and promoting creative projects. My mission in this project is bring the world to Portugal, and introduce the best of Portugal to the world, through creative monthly events, such as exhibitions, workshops, artistic residences, pop up stores, private dinners." (palavras de Paula Cosme Pinto, um dos três pilares da equipa criativa que o gere; os outros são Inês Matos Andrade, Armando Ribeiro e Vasco Oliveira)
Acelerar partículas. A casa é assim um CERN-em-Lisboa, captador do ar do tempo, de outros ares. Malabarismos construtivos. Pontes para novas margens.
"In a five room apartment, completely prepared to host guests and to welcome visitors, each three months o Apartamento will bring to lisboa a worldwide magazine with a creative project associated, artistic ersidences, pop up stores, private dinners, exhibitions, workshops. Everything cam happen at O Apartamento. The only rule is sharing."
O jantar.
No teaser enviado na véspera, uma panóplia de ingredientes de origens diversas, das gramíneas andinas aos fermentados asiáticos. Uma cozinha do mundo se anunciava assim, expressão contemporânea da curiosidade pelo outro, da procura de novas combinações de sabores, reagrupar de camadas de flavours.
Na mesa comprida, de convivas expectantes preenchida, um conjunto de páginas de Burroughs...
e um incomum aperitivo de entrada, espumante, vodca, figo e tomilho.
Timidamente (acredito que seja intimidante esta exuberância que nos irrompe à mesa e que contrapomos ao lado soturno e de xaile negro fadista vestido com que os outros nos identificam), e à vez, Jon Kleinhample (californiano, arquitecto, designer, artesão, cozinheiro) e Maša Lončarič (eslvena, designer, cozinheira) apresentaram-se e aos diversos pratos que iam colocando à frente de cada conviva.
1. Quinoa vermelha e preta, Couve, Cogumelos Shiitake e Hog (boletus eduli), Abacate, Shiitake desidratado, Flor de Sal, Pimenta preta, Ovas, Caldo de cogumelo, IPA
("Day of the Dead: I got the chucks and ate my little Willy’s sugar skull. He cried and I had to go out for another. Walked past the cocktail lounge where they blasted the Jai Lai bookie.")
Simbolicamente, o vazio que ocupava grande parte do copo serviu como a caminhada do neófito perante a primeira prova iniciática: o que irei encontrar? o que sentirei? Nesse pequeno momento, em que a colher procurava apanhar parte do disposto no fundo, se concentrou a essência deste jantar - um salto deliberado para o desconhecido, a vontade de descobrir.
A primeira descoberta foi a dos diversos sabores de terra, sob várias texturas - os cogumelos, as quinoas, a couve (e que insuspeito sabor subtil trouxe a couve semi-cozida) - acentuados pela flor de sal e a pimenta, e que a untuosidade do abacate iluminava de uma outra maneira. Surpresa, prazenteira surpresa, aconteceu com o primeiro encontro com uma ova: explosão de um novo sabor, a mar, dissonante mas integrável. Original proposta de surf&turf, a provocar a discussão, a desafiar.
Bom início.
2. Rúcula, Limão, Azeite, Mel, Tomate, Crazy Water, Cebolinho, Shiso, Molho de peixe, Alga Nori torrada, Fermento (sourdough)
("In Cuernavaca or was it Taxco? Jane meets a pimp trombone player and disappears in a cloud of tea smoke. The pimp is one of these vibration and dietary artists")
Improvável homenagem às mais portuguesas das cores, nesta salada a estrela foi a "crazy water", extracção lenta e filtrada da água do tomate, concentrado de umami, alguma acidez, aumentados com os igualmente contidos no molho de peixe, na alga nori e no sumo de limão. Tivesse ocorrido o jantar no pino do Verão e no pico do sabor solar do tomate e o prato ainda hoje nos ecoaria nas papilas gustativas. Apesar da decrescente intensidade daqueles, ainda assim uma combinação a reter.
3. Cenouras bebé, Chutney de lima, Cebola doce, Massa de pão queimada, Leite de Amêndoa, Azeite, Batata dourada, Lima, Serrano, Mel, Pó de Amêndoa
("He was continually enlarging his theories… he would quiz a chick and threaten to walk out if she hadn’t memorized every nuance of his latest assault on logic")
Talvez o maior indício da ligação - afectiva, intelectual - aos princípios definidos e defendidos pela New Nordic Cuisine. Simplicidade na apresentação e na concepção, complexidade de sabores, ligação às memórias e um passo para a comunicação com o mundo. Cenouras "fumadas" e o sabor básico e acre da massa de pão queimada, amaciados pelo leite de amêndoa. Degustando lentamente, surgiam sugestões dos outros componentes, acidez, texturas diversas.
Um prato de outras latitudes, apelativo. Fumo, doce, amargura...
4. Salmão, Sumo verde, Manjericão púrpura
("“Now, baby. I got it here to give. But if you won’t receive it there’s just nothing I can do.”")
Este prato nasceu de um equívoco e de um receio: por julgar-nos comedores quase diários de bacalhau e por recear falhar na reinterpretação de um peixe que nos é tão caro, optou John por utilizar o salmão (porventura, no presente, mais consumido em Lisboa que o bacalhau). Em boa hora o fez. Pedaços de salmão curado, num molho verde acídulo - pimentos, aipo, pepino, gengibre -, perfumados intensamente pelo manjericão.
Simples. Saboroso.
5. Acém (Beef short rib), Alicante Bouschet, Cenoura, Aipo, Louro, Tomate, Cebola branca, Alecrim, Vinagre de xerez, Chicória / Raddichio, Nozes-macadâmia, Pickle fresco, Milho rosa, Ricotta, Farinha, Ovos
("He claimed tea put him in touch with supra blue gravitational fields. He had ideas on every subject: what kind of underwear was healthy, when to drink water, and how to wipe your ass. ")
O prato menos conseguido da noite, desequilibrado pela excessivo pickle de pepino, a chamar a si a dominância de gosto. Texturalmente muito igual, muito pastoso, apesar das nozes-macadâmia. Precisamente por não se distanciar, no que lhe era essencial. dos guisados nacionais - perdendo, pois, o entusiasmo da novidade - apareceu corriqueiro.
6. Mascarpone, Queijo creme, Bolachas Graham Craker, Açúcar, Natas, Pimenta Togarashi, Casca de laranja, Diospiro
("eyes that lit up when he looked at a chick and went out when he looked at anything else. His shoulders were very broad and suggested deformity.")
Só pecou por reduzida, esta combinação de contrastes, cremoso e granuloso, doce e picante. Proposta interessante, a requerer mais prova e mais experimentação, bom final para um muito interessante jantar.
Venham mais experiências e partilhas neste Apartamento aberto à criação!
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