Oxente, tu visse? Pelas terras do Nordeste - Literatura (II)
(continua daqui)
Ainda mais alguns títulos descobertos na viagem:
O Frango Ensopado da Minha Mãe, Nina Horta
Há quase vinte anos, numa livraria do Rio de Janeiro, encontrei um dos livros de gastronomia que mais me viria a entusiasmar na vida. Não é Sopa, recolha das crónicas semanais publicadas no Folha de São Paulo, revelou-me uma escrita simultaneamente leve e aprofundada que, partindo de pormenores do quotidiano, desafiava o leitor para viagens mais aprofundadas pela gastronomia, pela vida, por si próprio.
Ingloriamente, durante anos, procurei novas obras continuadoras ou, na sua ausência, substitutos à altura, na abordagem e na qualidade. Nada. Ou, enfim, muito pouco.
Até que, sem aviso, me salta este "Frango..." em prateleira desenquadrada, discreto, quase anónimo. Vá lá!!! Sem fanfarras nem destaque, sem mesa reservada e tarja comemorativa?
Livro que continua onde o primeiro tinha acabado - é mais uma colectânea de textos publicado no Folha - e prolonga a viagem anterior. À maneira do lema da série Seinfeld, esta é uma obra sobre nada que nos fala de quase tudo.
Não havendo a edição portuguesa, ao menos que brindassem os mais curiosos com alguns exemplares de importação...
(A página da Nina no Folha online esteve disponível durante anos... Não está mais não: agora,é preciso ser assinante do Folha para a seguir.)
A Arte Culinária na Bahia, Manuel Querino
Reedição do original de 1928, esta monografia fundadora das análises da gastronomia do estado, reflecte as posições do seu autor, intelectual e pioneiro nos registos antropológicos da cultura africana na Bahia.
O que no presente nos aparece como óbvio - a decisiva contribuição das culturas africanas na criação de uma gastronomia original na Bahia - foi proposta original de Manuel Querino, fixada neste texto publicado postumamente (o autor faleceu em 1922).
Sobre ele, escreve Raul Lody, "à guisa de prefácio":
"'A arte culinária na Bahia', de Manuel Querino, é um precioso inventário, em que o autor faz considerações sobre as receitas africanas, as receitas afro-baianas, as receitas tradicionais, assim como sobre os ingredientes, os processos artesanais das cozinhas no exercício e na tradição de fazer comida.
O autor valoriza a história dos povos africanos, estes os verdadeiros colonizadores, coformadores de inúmeros patrimônios vivenciados por todos nós, brasileiros, incorporados aos nossos hábitos e costumes, dando singularidade a este país que se reconhece como o que carrega a mais notável afrodescendência em suas raízes."
[Ler aqui a 1ª edição]
Cozinha Brasileira (Com Recheio de História), Ivan Alves Filho, Roberto Di Giovanni
A receita, a História e histórias de alguns dos mais emblemáticos pratos das cozinhas regionais brasileiras - a moqueca baiana, o pato no tucupi paraense, a feijoada nacional, o feijão dos tropeiros mineiro, o churrasco de costela riograndense, entre outros - apresentados por um historiador e um mestre em culinária.
Veja-se, por exemplo, o caso do mocotó e as voltas que o mundo teve de dar para a sua criação: sendo, resumidamente, uma preparação de mão de vaca com feijão branco, os primeiros registos existentes no Brasil referem o seu consumo, no século XVII, por escravos, sendo o nome de origem tupi - mó-cotog significa "desarticulação" e é isso que inicialmente se faz aos pés que irão ser consumidos...
A Culinária Materialista, Carlos Alberto Dória
A visão do autor, na evolução da alimentação e culinária na história do ser humano. Inúmeros pontos de reflexão, que interrompem a leitura e nos deixam a pensar no assunto. Leitura estimulante, pois. Polémica, também.
Acrescento a informação contida na badana: "Vários são os temas, abordados em capítulos independentes: como o homem passou a produzir a totalidade do que come; como os valores ligados à nutrição e à "incorporação" determinam o que levamos à boca; como as grandes civilizações escolhem caminhos alimentares diante de um reportório natural; o que é a qualidade do alimento; como empobrecemos as nossas possibilidades alimentares, ao longo da história do Brasil; como modernamente se reconstrói a produção local, via o desenvolvimento dos terroirs, ambicionando conquistar para os seus sabores um mundo globalizado."
A Virtude da Gula, Pensando a Cozinha Brasileira, Raul Lody
"Um desejo insaciável pela comida e bebida" que, despido de uma análise moral é, na sociedade ocidental contemporânea, hedonista e hipersensualizada, uma virtude para muitos, a ser perseguida por ainda mais, não fora a propaganda nutricionista e as exarcebadas campanhas sanitárias.
Virtude para o autor, que transporta este desejo para a escrita, abordando sob múltiplos aspectos muitos dos componentes das mesas brasileiras.
Escrita erudita apresentada descontraidamente, como parece que só os brasileiros conseguem atingir, ler-se-ia num repente, não fossem as constantes comparações com a nossa realidade a que somos tentados bem como o uso das pontes com Portugal que a história comum forçosamente deixou.
E é tudo - aproveitem, divirtam-se!
O Frango Ensopado da Minha Mãe, Nina Horta
Há quase vinte anos, numa livraria do Rio de Janeiro, encontrei um dos livros de gastronomia que mais me viria a entusiasmar na vida. Não é Sopa, recolha das crónicas semanais publicadas no Folha de São Paulo, revelou-me uma escrita simultaneamente leve e aprofundada que, partindo de pormenores do quotidiano, desafiava o leitor para viagens mais aprofundadas pela gastronomia, pela vida, por si próprio.
Ingloriamente, durante anos, procurei novas obras continuadoras ou, na sua ausência, substitutos à altura, na abordagem e na qualidade. Nada. Ou, enfim, muito pouco.
Até que, sem aviso, me salta este "Frango..." em prateleira desenquadrada, discreto, quase anónimo. Vá lá!!! Sem fanfarras nem destaque, sem mesa reservada e tarja comemorativa?
Livro que continua onde o primeiro tinha acabado - é mais uma colectânea de textos publicado no Folha - e prolonga a viagem anterior. À maneira do lema da série Seinfeld, esta é uma obra sobre nada que nos fala de quase tudo.
Não havendo a edição portuguesa, ao menos que brindassem os mais curiosos com alguns exemplares de importação...
(A página da Nina no Folha online esteve disponível durante anos... Não está mais não: agora,é preciso ser assinante do Folha para a seguir.)
A Arte Culinária na Bahia, Manuel Querino
Reedição do original de 1928, esta monografia fundadora das análises da gastronomia do estado, reflecte as posições do seu autor, intelectual e pioneiro nos registos antropológicos da cultura africana na Bahia.
O que no presente nos aparece como óbvio - a decisiva contribuição das culturas africanas na criação de uma gastronomia original na Bahia - foi proposta original de Manuel Querino, fixada neste texto publicado postumamente (o autor faleceu em 1922).
Sobre ele, escreve Raul Lody, "à guisa de prefácio":
"'A arte culinária na Bahia', de Manuel Querino, é um precioso inventário, em que o autor faz considerações sobre as receitas africanas, as receitas afro-baianas, as receitas tradicionais, assim como sobre os ingredientes, os processos artesanais das cozinhas no exercício e na tradição de fazer comida.
O autor valoriza a história dos povos africanos, estes os verdadeiros colonizadores, coformadores de inúmeros patrimônios vivenciados por todos nós, brasileiros, incorporados aos nossos hábitos e costumes, dando singularidade a este país que se reconhece como o que carrega a mais notável afrodescendência em suas raízes."
[Ler aqui a 1ª edição]
Cozinha Brasileira (Com Recheio de História), Ivan Alves Filho, Roberto Di Giovanni
A receita, a História e histórias de alguns dos mais emblemáticos pratos das cozinhas regionais brasileiras - a moqueca baiana, o pato no tucupi paraense, a feijoada nacional, o feijão dos tropeiros mineiro, o churrasco de costela riograndense, entre outros - apresentados por um historiador e um mestre em culinária.
Veja-se, por exemplo, o caso do mocotó e as voltas que o mundo teve de dar para a sua criação: sendo, resumidamente, uma preparação de mão de vaca com feijão branco, os primeiros registos existentes no Brasil referem o seu consumo, no século XVII, por escravos, sendo o nome de origem tupi - mó-cotog significa "desarticulação" e é isso que inicialmente se faz aos pés que irão ser consumidos...
A Culinária Materialista, Carlos Alberto Dória
A visão do autor, na evolução da alimentação e culinária na história do ser humano. Inúmeros pontos de reflexão, que interrompem a leitura e nos deixam a pensar no assunto. Leitura estimulante, pois. Polémica, também.
Acrescento a informação contida na badana: "Vários são os temas, abordados em capítulos independentes: como o homem passou a produzir a totalidade do que come; como os valores ligados à nutrição e à "incorporação" determinam o que levamos à boca; como as grandes civilizações escolhem caminhos alimentares diante de um reportório natural; o que é a qualidade do alimento; como empobrecemos as nossas possibilidades alimentares, ao longo da história do Brasil; como modernamente se reconstrói a produção local, via o desenvolvimento dos terroirs, ambicionando conquistar para os seus sabores um mundo globalizado."
A Virtude da Gula, Pensando a Cozinha Brasileira, Raul Lody
"Um desejo insaciável pela comida e bebida" que, despido de uma análise moral é, na sociedade ocidental contemporânea, hedonista e hipersensualizada, uma virtude para muitos, a ser perseguida por ainda mais, não fora a propaganda nutricionista e as exarcebadas campanhas sanitárias.
Virtude para o autor, que transporta este desejo para a escrita, abordando sob múltiplos aspectos muitos dos componentes das mesas brasileiras.
Escrita erudita apresentada descontraidamente, como parece que só os brasileiros conseguem atingir, ler-se-ia num repente, não fossem as constantes comparações com a nossa realidade a que somos tentados bem como o uso das pontes com Portugal que a história comum forçosamente deixou.
E é tudo - aproveitem, divirtam-se!
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