Os ouriços da Ericeira



Da Ericeira afirmam os entendidos que começou como Ouriceira, tal a profusão de ouriços-do-mar na sua costa e mar. Animal equinoderme (corpo coberto de espinhos), da classe Echinoidea, pertencente ao filo Echinodermata (como as estrelas-do-mar, os ofiúros, os lírios-do-mar e os pepinos-do-mar), o Paracentrotus Lividus tem historicamente mais importância nos afectos das suas gentes do que o seu aspecto agressivo e pouco dado a intimidades poderá parecer: a longuíssima relação entre os dois tinha expressão relevante, contam os mais antigos, no Domingo de Páscoa, onde famílias inteiras excursionavam até aos rochedos, na maré baixa, para a apanha daqueles e posterior consumo no repasto pascal.


A tradição parece ter esmorecido: contrariamente à realidade do Norte do país, zona de maior venda e exportação, a situação actual na Ericeira é a da existência de apenas alguns mariscadores com licença de apanha, que procedem à sua captura em pequenas quantidades, sendo rara a sua venda no mercado.

Para revitalizar o consumo do ouriço e como forma de aprofundar o turismo gastronómico de uma localidade que tem os produtos do mar - o peixe e o marisco - como cabeça de cartaz de uma oferta que também passa pela qualidade da oferta hortícola (relembre-se a importância, no passado, da região saloia para o abastecimento de Lisboa - e a Ericeira fazia parte do termo (1) da cidade) a Câmara Municipal de Mafra apadrinha a realização do Festival do Ouriço-do.mar. A 2ª edição do evento ocorreu no passado fim-de-semana, com a apresentação, em 12 dos restaurantes da vila, de receitas em que o ouriço é o ingrediente principal.


Não sendo extenso, o menu possibilitou uma prova quase integral, que se iniciou pela concepção mais simples que é a da sua degustação ao natural. Algum traço de desilusão, com os sabores ainda pouco vincados, fruto talvez das difíceis condições que o mar apresenta, impedimento para acesso aos bancos mais ricos?



Segundo prato, a sopa de ouriço, de sabor forte, apaladado, que me pareceu uma sopa de peixe finalizada com as gónadas do ouriço, exemplo de adaptação do receituário local.


Finalmente o arroz, que se revelou igualmente um arroz de frutos do mar (camarão e mexilhão), finalizado com o ouriço, que lhe conferiu algum do seu sabor e permitiu uma identificação visual com o nome atribuído.


Jornada pedagógica de encontro com uma gastronomia popular sem pretensões de alta cozinha mas tendo a segurança de quem percorre trilhos conhecidos e muito experimentados da cozinha local, esta ida à vila do surf, permitiu matar saudades de um tempo de mar que a Primavera promete estar próximo e dos sabores que lhe estão associados.

Quanto ao ouriço, apesar das restrições da apanha, da delicadeza do eco-sistema, dos cuidados na sua conservação e exploração que urge redobrar, é um magnífico representante dessa colecção de tesouros marítimos que florescem na nossa costa e com o qual cada português que se merece deveria ter pelo menos um encontro imediato anual.

E que para o ano haja mais Festival!


(1) Termo: Área sob administração judicial e fiscal da cidade. Conjunto de julgados ou freguesias (conforme o uso judicial ou administrativo), abrangendo, para além das zonas urbana e as periféricas, freguesias mais distantes. No caso de Lisboa, teve dimensão variável, sendo limitada a Sul e Nascente pelo rio Tejo e chegando a incluir zonas dos actuais concelhos de Sintra, Colares, Ericeira, Mafra, Vila Verde, Torres Vedras, e Alenquer.

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