Foi Touro Lindo!
Gastrossexual que se preze, na sua primeira oferta pública de um evento gastronómico que se pretenda memorável, tem de pensar numa orgia.
Sejamos justos: assim como o "sexual" do nome é apenas uma alusão à íntima ligação entre os prazeres que o ser humano mais preza e que lhe são essenciais para a sobrevivência (deixando para outras linhas a parte com que todos os segredos se cosem), a "orgia" em pensamento é da ordem do excesso: do profundo e do profícuo, das sensações e do gosto.
Sim, este Gastrossexual, quando em conjugação e por inspiração do Joaquim Arnaud pensou no destino post mortem do magnífico exemplar barrosão que contemplava a sua completa vida nas descansadas paisagens da ainda mais descansada Pavia, pensou numa orgia. E com essa inspiração subjacente, foram dados os passos para uma homenagem múltipla:
- Aos bovinos, que nos enchem o corpo das necessárias proteínas, o gosto das múltiplas variações que a sua carne encerra e a memórias dos pratos com que as sempre-presentes mães e avós nos alegravam o dia.
- Aos cozinheiros, que nos alteram a visão do mundo de cada vez que transformam matéria inerte em visões do Paraíso.
- A todos aqueles que connosco partilham o prazer da mesa, o prazer dos sentidos, o prazer de aprender e descobrir e mais saber e mais descobrir. E mais viver.
Para amarmos, temos de conhecer. Como poderemos querer continuar a ser uma sociedade que baseia a sua gastronomia na carne se o conhecimento que dela temos é cada vez menor; se, como consumidores e transformadores, nos predispomos a engolir, sem critério nem objecção, a primeira peça que, cadeias interesseiras e profissionais desleixados, nos querem vender? Como podemos ser exigentes se não sabemos o que exigir?
Partindo destas questões, desta quase impossibilidade que, a cada dia, se torna mais verdadeira, decidimos que ao nobre barrosão caberia um último papel didáctico: o de, a partir de si próprio, construir uma aula prática sobre os diferentes cortes extraíveis da sua carcaça, sua denominação e aproveitamento, características e melhores opções de preparação culinária.
Por ordem alfabética, o Cyril Devilliers, o João Oliveira, o Joe Best, o Miguel Paulino, o Nuno Diniz, o Pedro Mendes, o Pedro Sommer, abriram com denodo um pouquinho da imensa porta posta à disposição pelos 450 quilos da carcaça. Procuraram pormenores menos habituais, menos utilizados, menos óbvios - e assim criaram (por ordem inversa) uns rins de estalo, uma língua guisada de chorar por mais, uma vazia estufada com auxílio do feno e da grelha de água na boca, um coração no forno de lenha de enamoramento e paixão, uma salada de tutano e um rolo de rabo de boi e vegetais de ir ao céu, uns tomahawk, bifes do lombo, hambúrgueres monocorte (carne picada de várias peças) para apreciar diferenças, de nos acorrentar definitivamente à carnofilia, um onglet/lombelo e uma bavette estufados em vinho tinto e chalotas (com o bónus de uma língua à l'écarlate a pedido), de repetição pedida ad infinitum.
Os agradecimentos são muitos e começamos por dois fundamentais braços direitos, o Nuno Paisana na comunicação e o João Alves e a sua equipa da Statusknowledge na certificação de todo o evento, sem os quais nada seria o mesmo.
Seguindo para os nossos apoiantes e patrocinadores, a Câmara Municipal de Mora e a Água Castello (que foi um sucesso tremendo, esgotando-se as garrafas da versão de bolha fina), a Queijaria Povolide com os queijos de cabra e de ovelha, da região da Serra da Estrela, o António Carlos e o seu mel da região, a Fungus com os seus magníficos cogumelos e túberas, o Tiago Guedes Vaz com o seu sorvete de limão.
Palavra de grande amizade para o André Magalhães e para o Leopoldo Calhau que, apesar de convidados, não quiseram ficar de braços caídos, deliciando-nos o André com uma Carne Albese, um prato de inspiração italiana decidido na hora e o Leopoldo com o seu famoso pudim de noz da Joana.
Termino com os vinhos. As magníficas produções do anfitrião, claro, os Joaquim Arnaud que enchem Pavia e Mora de orgulho; os navios de bandeira da Quinta dos Plátanos, com alguma mão, mas não só, do Joaquim; last but not least, algumas das obras fantásticas da Casa Nunes Barata. Que belos casamentos.
Que belo dia. Em Outubro voltaremos.
Sejamos justos: assim como o "sexual" do nome é apenas uma alusão à íntima ligação entre os prazeres que o ser humano mais preza e que lhe são essenciais para a sobrevivência (deixando para outras linhas a parte com que todos os segredos se cosem), a "orgia" em pensamento é da ordem do excesso: do profundo e do profícuo, das sensações e do gosto.
Sim, este Gastrossexual, quando em conjugação e por inspiração do Joaquim Arnaud pensou no destino post mortem do magnífico exemplar barrosão que contemplava a sua completa vida nas descansadas paisagens da ainda mais descansada Pavia, pensou numa orgia. E com essa inspiração subjacente, foram dados os passos para uma homenagem múltipla:
- Aos bovinos, que nos enchem o corpo das necessárias proteínas, o gosto das múltiplas variações que a sua carne encerra e a memórias dos pratos com que as sempre-presentes mães e avós nos alegravam o dia.
- Aos cozinheiros, que nos alteram a visão do mundo de cada vez que transformam matéria inerte em visões do Paraíso.
- A todos aqueles que connosco partilham o prazer da mesa, o prazer dos sentidos, o prazer de aprender e descobrir e mais saber e mais descobrir. E mais viver.
Para amarmos, temos de conhecer. Como poderemos querer continuar a ser uma sociedade que baseia a sua gastronomia na carne se o conhecimento que dela temos é cada vez menor; se, como consumidores e transformadores, nos predispomos a engolir, sem critério nem objecção, a primeira peça que, cadeias interesseiras e profissionais desleixados, nos querem vender? Como podemos ser exigentes se não sabemos o que exigir?
Partindo destas questões, desta quase impossibilidade que, a cada dia, se torna mais verdadeira, decidimos que ao nobre barrosão caberia um último papel didáctico: o de, a partir de si próprio, construir uma aula prática sobre os diferentes cortes extraíveis da sua carcaça, sua denominação e aproveitamento, características e melhores opções de preparação culinária.
Por ordem alfabética, o Cyril Devilliers, o João Oliveira, o Joe Best, o Miguel Paulino, o Nuno Diniz, o Pedro Mendes, o Pedro Sommer, abriram com denodo um pouquinho da imensa porta posta à disposição pelos 450 quilos da carcaça. Procuraram pormenores menos habituais, menos utilizados, menos óbvios - e assim criaram (por ordem inversa) uns rins de estalo, uma língua guisada de chorar por mais, uma vazia estufada com auxílio do feno e da grelha de água na boca, um coração no forno de lenha de enamoramento e paixão, uma salada de tutano e um rolo de rabo de boi e vegetais de ir ao céu, uns tomahawk, bifes do lombo, hambúrgueres monocorte (carne picada de várias peças) para apreciar diferenças, de nos acorrentar definitivamente à carnofilia, um onglet/lombelo e uma bavette estufados em vinho tinto e chalotas (com o bónus de uma língua à l'écarlate a pedido), de repetição pedida ad infinitum.
(Fotos: Mariana Cruz Gomes) |
Os agradecimentos são muitos e começamos por dois fundamentais braços direitos, o Nuno Paisana na comunicação e o João Alves e a sua equipa da Statusknowledge na certificação de todo o evento, sem os quais nada seria o mesmo.
Seguindo para os nossos apoiantes e patrocinadores, a Câmara Municipal de Mora e a Água Castello (que foi um sucesso tremendo, esgotando-se as garrafas da versão de bolha fina), a Queijaria Povolide com os queijos de cabra e de ovelha, da região da Serra da Estrela, o António Carlos e o seu mel da região, a Fungus com os seus magníficos cogumelos e túberas, o Tiago Guedes Vaz com o seu sorvete de limão.
Palavra de grande amizade para o André Magalhães e para o Leopoldo Calhau que, apesar de convidados, não quiseram ficar de braços caídos, deliciando-nos o André com uma Carne Albese, um prato de inspiração italiana decidido na hora e o Leopoldo com o seu famoso pudim de noz da Joana.
Termino com os vinhos. As magníficas produções do anfitrião, claro, os Joaquim Arnaud que enchem Pavia e Mora de orgulho; os navios de bandeira da Quinta dos Plátanos, com alguma mão, mas não só, do Joaquim; last but not least, algumas das obras fantásticas da Casa Nunes Barata. Que belos casamentos.
Que belo dia. Em Outubro voltaremos.
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