O Alma do Chiado
Para o bem e para o mal, o Chiado voltou a ser o centro do mundo, nesta Lisboa gastronómica ávida de turistas que sejam a massa crítica que a crise e o decréscimo populacional negaram aos nacionais. Qual triângulo dourado, é no Chiado que o pretendente a who's who instala o seu pressuposto à glória; é no Chiado que os contemporâneos elegantes exibem o gosto dos tempos; é no Chiado que as velhas lojas expiram o último fôlego, quem sabe desejando que o novo ocupante seja um lugar de restaurativa eleição e não mais um ponto de pronto a comer, cheio de brilho e ilusão, de fotografias à porta e confecções acabadas de estrear desde mil-novecentos-e-há-muito-tempo.
Humor, zero de "esturricação" e um surpreendente e agradável contraste de texturas.
Um tour de force inspirado na oferta do mar português. Para os turistas atentos perceberem e os portugueses distraídos reconsiderarem.
Mais uma vez, o prato que me pareceu menos conseguido. A descontrução visula não é apelativa, os sabores, muito.
“No ALMA procuramos servir mais do que uma refeição: servimos emoções, identidade, conhecimento. No fundo, procuramos desenvolver uma cozinha com profundidade, que é também uma consequência das nossas experiências." (do site do restaurante)
Ligeiramente recolhido do grande bulício mas bem dentro do chic a valer, o Largo de S. Carlos é o centro da nossa vaidade, conjugando o reconhecimento gastronómico com os mais de dois séculos de grandes momentos operáticos e a memória do menino Fernando que, do 4º andar fronteiro, terá absorvido com olhos de poeta precoce o movimento do seu tempo, ao som do sino da sua aldeia. Adjacente ao largo, na mais tranquila rua Anchieta, ao lado de uma Casa Portuguesa que nos recicla as memórias para espanto consumista dos visitantes, fica a casa de Henrique Sá Pessoa - o Alma - que visitei (a convite) recentemente.
Começa por impressionar (positivamente) a arquitectura interior e a decoração: austera mas convidativa, respeitadora das memórias mas contemporânea, sóbria mas confortável. Um espaço que convida sem ser intrusivo.
Dos pratos experimentados em dois dos quatro menus existentes - Alma e Costa a Costa - fica a certeza de que resumir a cozinha do restaurante na trilogia gosto-técnica-produto seria não só insuficiente como redutor. Insuficiente porque ela é muito mais que isso - é memória, sensibilidade, empatia, desafio. Redutor, porque seria colocá-la na prateleira onde a maioria dos candidatos a modernos&autorais se implanta, com frase feitas e ideias ainda mais pré-conceituosas.
Não, o Alma merece um lugar só dele. Pela busca de novos casamentos de sabores e equilíbrios de texturas. Pelo uso das referências nacionais que relembram os visitantes portugueses e alertam os visitantes estrangeiros. Pelo humor. Pelo cruzamento de culturas. Pela carta de vinhos e pelo acertado cuidado na escolha dos mesmos em função do prato.
Detalhemos:
Os snacks de preparação:
Tapioca com maionese de ostras e algas cabelo de velha; a acompanhar, gaspacho clarificado, com azeite de poejo |
O sabor do gaspacho, vindo da memória, a ficar na memória. Bravo pela clarificação.
Homenagem ao carvão ("tempura" de pimentos vermelhos esturricados e puré de tomate seco) |
Humor, zero de "esturricação" e um surpreendente e agradável contraste de texturas.
"Gambas al ajillo": espuma de marisco com cabeça de gamba desidratada e crocante de alho (camarão da costa e raspas de lima) |
... Ou como se pode dizer do mesmo, diferente. Um dias, todos os "guilhos" deste mundo deveriam ser desta exigência.
Menu Costa a Costa
Um tour de force inspirado na oferta do mar português. Para os turistas atentos perceberem e os portugueses distraídos reconsiderarem.
Varia sem cansar visualmente, belíssima conjugação de texturas e sabores.
Salmonete, caldo de caldeirada, emulsão de fígado, xerém, salicórnia (ver foto no Menu Alma)
Pré-sobremesa - Sorbet de manjericão e merengue de lima, cubos de maçã verde e drops de lima com chocolate branco |
Mar e citrinos - Algas cabelo de velha e alface de mar, sorbet de yuzu, ouriço de tinta de choco, "rochas" de pistacchio e tinta de choco, calda de citrino genoise |
Talvez a parte menos conseguida visualmente. Intensidade de sabor e prova vencida no que respeita à integração do mar.
Menu Alma
Primeira impressão fulgurante, com a intensidade do chévre e os crocantes, a doçura da cenoura.
Céu, puro céu. Doçura, suavidade, acidez, untuosidade, amargor.
Memória e mar. O sabor supremo do salmonete, a intensidade a mar.
Apesar da presença cada vez mais maciça nas várias propostas da cidade, um belo leitão, com a surpresa da couve chinesa.
Pré-sobremesa - Sorbet de manjericão e merengue de lima, cubos de maçã verde e drops de lima com chocolate branco (a mesma do Menu Costa a Costa)
Manga, maracujá, coco e sésamo preto - Sorbet de manga e maracujá, crocante de sementes de sésamo, esferificações exóticas, lascas de coco fresco e genoise de sésamo preto |
Mignardises para acompanhar o café |
RESTAURANTE ALMA
Rua Anchieta, 15, 1200-023 LISBOA
Rua Anchieta, 15, 1200-023 LISBOA
Tel. 351 213 470 650
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