De Joana ao Pedro, a longa viagem do Shiitake
Chefe Pedro Sommer (Fonte: aqui) |
De Sintra ao Estoril não são sete horas de viagem mas, para alguns, foi uma viagem de séculos - nos gostos, nas atitudes, na fusão gastronómica.
Em Sintra, a Joana Oliveira e a sua Mush Mush produzem cogumelos biológicos (Shiitake (Lentinula edodes) variedades koshin e donko e Pleuroto branco ou Shirotamogitake (Hypsizygus ulmarius)).
No Estoril, no local onde há vinte cinco anos se formam mãos e cabeças ao serviço da hotelaria e restauração, o Chefe Pedro Sommer decidiu elaborar, para um dos seus almoços de 5ª feira, um menu à base de cogumelos.
Prática de cultivo e prática de transformação de mãos dadas para deleitar quem o restaurante pedagógico demandou.
Ah, os cogumelos...
Produto por excelência da prática recolectora que desde os primórdios enformou a sobrevivência humana, têm fundas raízes na gastronomia regional portuguesa, desde os Níscaros guisados transmontanos aos Míscaros ou aos Tortulhos com ovos beirões ao Borrego com cogumelos e às Túberas fritas em banha alentejanas, aos Fradinhos, às Sanchas, aos Flor da Terra preparados ao sabor das memórias e da estação... São concentrados de sabor, um dos exemplos maiores desse quinto gosto - o umami - que a muitos ainda é difícil de admitir, expressão da terra, da uberdade, dos bosques, da ancestral ligação ao mistério do mundo.
Brotando a maioria da terra, a sua colheita requer saber e precisão extrema, tal a variedade e a estreita fronteira entre a presença e ausência de toxinas mortais para a espécie humana. Há ainda os que brotam aéreos, como os Shiitake, nascidos em troncos de árvore (na origem, de carvalhos - em japonês shii significa carvalho, take, cogumelo) e que, maioritária e mundialmente "cultivados" pelo homem, são a segunda espécie mais consumida no planeta.
Os shiitake, para além das qualidades gastronómicas, possuem igualmente importantes virtudes terapêuticas, designadamente anti-virais e anti-bacterianas, contendo lentinano, um polissacarídeo que alguns estudos indicam apresentar bons resultados nos tratamentos contra o cancro, apresentando ainda boas indicações na ajuda do controlo da hipertensão arterial e do colesterol. Um verdadeiro caso de se juntar a fome (o sabor) com a vontade de comer (as virtudes terapêuticas), razões primordiais para a sua escolha pela produtora.
Passando ao repasto, foi possível comprovar a versatilidade do cogumelo e a capacidade de Pedro Sommer em criar um menu construído a partir de pratos clássicos na sua essência mas com um twist que possibilitou algumas surpresas pela aplicação de matérias-primas diferentes das habituais, para além de um geral e particular agrado pelos sabores e combinações.
Um bom exemplo desta afirmação foi o "cappuccino" servido de entrada: uma evocação da bica, a associação à sua natureza reconfortante, a curiosidade por perceber de que era feita a espuma e o que ela esconderia, a boa combinação entre o sabor untuoso do foie gras e o sabor de terra do cogumelo e o extraordinário anúncio outonal do conjunto, a lembrar fins de tarde chuvosos, a segurança do lar e o conforto de um caldo reconfortante.
Também o creme brulée seguiu pelo mesmo compasso: oposição salgado/doce, o S. Jorge a acentuar e a gulodice a pedir mais. Já o prato de rins servido em simultâneo me pareceu perder na conjugação, tendo podido brilhar mais se fosse servido individualmente.
Na mesma linha esteve igualmente o carolino de cogumelos - sempre um vencedor quando bem feito (e como o carolino é exigente no tratamento!) -, cremoso, cheio de umami, com o bacalhau bem revestido pelo (é muito snob chamar-lhes melanoidinas?) resultado da reacção de Maillard. Aqui a surpresa (semi-surpresa) passou pelo uso de um peixe com um sabor tão marcante como é o bacalhau - e com o qual estamos estão familiarizados e formatados para determinados usos - e a harmonização com a força do sabor dos cogumelos. Funcionou.
Entrando no capítulo final, a panacotta foi um exemplo de contenção, com o cogumelo discreto e o molho de vinho do Porto a contrabalançar o pendor ligeiramente salgado dado por aquele.
Já a tarte final me pareceu de tamanho exagerado, ainda que a minha opinião tenha sido largamente batida pelos sorrisos da restante mesa, perfeitamente extasiados com tamanha liberalidade.
Gosto destes almoços que ensinam em simultâneo oficiantes e convivas e distribuem prazer por todos.
Em Sintra, a Joana Oliveira e a sua Mush Mush produzem cogumelos biológicos (Shiitake (Lentinula edodes) variedades koshin e donko e Pleuroto branco ou Shirotamogitake (Hypsizygus ulmarius)).
No Estoril, no local onde há vinte cinco anos se formam mãos e cabeças ao serviço da hotelaria e restauração, o Chefe Pedro Sommer decidiu elaborar, para um dos seus almoços de 5ª feira, um menu à base de cogumelos.
Prática de cultivo e prática de transformação de mãos dadas para deleitar quem o restaurante pedagógico demandou.
Ah, os cogumelos...
Produto por excelência da prática recolectora que desde os primórdios enformou a sobrevivência humana, têm fundas raízes na gastronomia regional portuguesa, desde os Níscaros guisados transmontanos aos Míscaros ou aos Tortulhos com ovos beirões ao Borrego com cogumelos e às Túberas fritas em banha alentejanas, aos Fradinhos, às Sanchas, aos Flor da Terra preparados ao sabor das memórias e da estação... São concentrados de sabor, um dos exemplos maiores desse quinto gosto - o umami - que a muitos ainda é difícil de admitir, expressão da terra, da uberdade, dos bosques, da ancestral ligação ao mistério do mundo.
Brotando a maioria da terra, a sua colheita requer saber e precisão extrema, tal a variedade e a estreita fronteira entre a presença e ausência de toxinas mortais para a espécie humana. Há ainda os que brotam aéreos, como os Shiitake, nascidos em troncos de árvore (na origem, de carvalhos - em japonês shii significa carvalho, take, cogumelo) e que, maioritária e mundialmente "cultivados" pelo homem, são a segunda espécie mais consumida no planeta.
Os shiitake, para além das qualidades gastronómicas, possuem igualmente importantes virtudes terapêuticas, designadamente anti-virais e anti-bacterianas, contendo lentinano, um polissacarídeo que alguns estudos indicam apresentar bons resultados nos tratamentos contra o cancro, apresentando ainda boas indicações na ajuda do controlo da hipertensão arterial e do colesterol. Um verdadeiro caso de se juntar a fome (o sabor) com a vontade de comer (as virtudes terapêuticas), razões primordiais para a sua escolha pela produtora.
Passando ao repasto, foi possível comprovar a versatilidade do cogumelo e a capacidade de Pedro Sommer em criar um menu construído a partir de pratos clássicos na sua essência mas com um twist que possibilitou algumas surpresas pela aplicação de matérias-primas diferentes das habituais, para além de um geral e particular agrado pelos sabores e combinações.
Um bom exemplo desta afirmação foi o "cappuccino" servido de entrada: uma evocação da bica, a associação à sua natureza reconfortante, a curiosidade por perceber de que era feita a espuma e o que ela esconderia, a boa combinação entre o sabor untuoso do foie gras e o sabor de terra do cogumelo e o extraordinário anúncio outonal do conjunto, a lembrar fins de tarde chuvosos, a segurança do lar e o conforto de um caldo reconfortante.
"Cappuccino de Cogumelos com Ar de Foie Gras" |
Em primeiro plano: "Creme Brulée de Cogumelos com Tostinha de S. Jorge" ; ao fundo: "Rins com Cogumelos e Alecrim" |
"Carolino de Cogumelos com Bacalhau Fresco na Frigideira" |
"Panacotta de Cogumelos com Molho de Vinho do Porto" |
"Tarte de Chocolate Branco caramelizado e Gengibre" |
Comentários