Dêem qualquer coisinha pró Santo Toino!...
"Mais ao menos por finais de Outubro o país começa os preparativos para mais uma reencenação do À Espera de Godot. Nas tertúlias, nos encontros de café, nos jantares de apresentação, ensaiam-se as frases costumeiras, discutem-se os figurinos, os cenários, os subsídios estatais e os mecenas privados.
Durante anos, as versões foram tristonhas: luminotecnia de baixa intensidade, actores com sotaque, encenadores estrangeiros, poucas récitas. Esperava-se por Godot e a espera resultava sempre em pouco - Godot fazia-se esperar para depois passar como um relâmpago, numa viagem de circunstância, extrema deselegância e com tempo apenas para um discurso, duas entrevistas e três fotografias de jornal.
Que a cena portuguesa merecia mais, lamentava-se. Que a qualidade dos actores subira everestes, garantia-se. Que encenadores viajados e com experiência internacional eram já muitos, contabilizava-se.
Talvez para o ano, prometia, sem se comprometer, Godot. Será uma questão de tempo, comprometia-se, sem prometer, Godot.
O tempo, esse grande escultor.
Este ano Godot mandou dizer que faria uma temporada alargada. Que du-pli-ca-ria as récitas, aumentaria actores, renovaria o cenário, intensificaria as luzes.
Foram semanas de frisson.
De movida.
O vozear tornou-se inescapável e a expectativa também, tanto mais que as apostas sobre os actores que teriam o privilégio de contracenar com Godot caiam sempre nos mesmos e eram sempre inferiores ao número requerido pela grandeza anunciada assim como o número de dias disponíveis. A gare, por onde chegaria Godot, encheu-se de especialistas e entusiastas de ocasião, a farejar oportunidades de brilho, Alguns do protagonistas previstos compareceram, ornados de convites especiais, o sorriso certo do contrato certo.
Gaius Pringles Caesar (Autor: Masha Knyazeva-Trotzky) |
Godot, esse, infelizmente, não pôde comparecer mas mandou lembranças. E o povo festejou."
Há mais peças, há mais autores. Há até um reportório nacional que não depende de um Godot para ser procurado e internacionalmente citado. Há o nosso orgulho e a demonstração de que o caminho deverá ser lançado por nós - que o traçaremos a pensar em nós, convidando o próximo mas não dependendo dele para o fazer. Que Godot apareça, se quiser, sabendo no entanto que há mais no mundo, há muitos mais.
Can you hear me now? (Fonte: aqui) |
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