Mafra, sushi e cerveja malvada: harmonias


E num dia de alívio, depois de ver assegurada a descendência que poderia assegurar a continuidade do trono português, determinou a Majestade de João, Quinto de nome e Magnânimo pela herança deixada, que se construísse o mais magnífico dos conventos portugueses, como paga real pela promessa feita ao panteão divino.

Nasceu assim Mafra no referencial português, alcandorada de humilde aldeia saloia a Paço estival, repositório de muitos dos milhões trazidos do Brasil, negócio fabuloso para tudo quanto era artesão de luxo europeu.



Vale a pena visitá-la e encontrar a prova de que nem sempre em Portugal se trabalhou numa lógica turística ou de serventia à capital e de que, ocasionalmente, houve dirigentes que concretizaram o futuro em locais sem passado, criando novos pólos de desenvolvimento, esquecendo a avidez dos existentes.

Descubram a mais bonita biblioteca de Portugal, oiçam um concerto com os (únicos!) seis grandes órgãos, percorram os desmesurados corredores e imaginam como seria o protocolo para rei e rainha se encontrarem intimamente com tão grande distância entre aposentos, visitem a cozinha e o refeitório dos monges.

Depois - ou antes - alimentem o corpo.


Uma hipótese fora do habitual circuito de procura regional (sempre louvável mas atenção aos falsos regionais e, principalmente, aos mal feitos "regionais" que também abundam e aumentam o seu desleixo em épocas de maior procura turística) mas que, para além da honestidade das propostas e da qualidade que procura nas matérias-primas utilizadas, tem o atractivo de oferecer uma pareceria com uma boa empresa local, é o Himitsu Sushi Bar.

O painel que nos recebe à entrada é obra de um artista local e renovado todas as estações de acordo com as mesmas.
Cozinha de inspiração japonesa, na variação de fusão que o seu chefe executivo, Mário Ribeiro, apreendeu na consistente carreira maioritariamente feita no Sushic e que, em paralelo, continua a desenvolver na capital, no seu Nómada.

Temática que poderá surpreender quem associe, sem excepção, o "campo" à cozinha regional mas que é perfeitamente compreensível face ao crescente cosmopolitismo do país, à facilidade de acesso à informação de promotores e consumidores, à procura de novas experiências especialmente por parte das gerações mais jovens e a absoluta popularidade que têm sushis e sashimis na sua dieta. Acresce que o concelho de Mafra com os seus modernizados acessos rodoviários - em especial a auto-estrada que o atravessa e permite a ligação a Lisboa em menos de meia hora - já é praticamente um subúrbio da capital, zona tranquila para morar, com as suas praias, os seu surfistas, o seu pão, os seus mariscos, o seu peixe, o seu queijo fresco, os seus limões. E o seu vinho. E a sua cerveja artesanal.

Voltando ao Himitsu. Aberto há um ano, com o propósito de servir sushi com produtos de qualidade num concelho habitado maioritariamente por sino-adaptações do mesmo, decidiram as suas proprietárias comemorar o aniversário não só com um menu de Verão como com um jantar especial no próximo dia 14 (deste mês) em que cada prato foi pensado em harmonização com cada uma das variedades disponíveis nesta estação pela Mean Sardine.

Tive a oportunidade de o experimentar em antecipação. Gostei muito. Pela iniciativa em si: já é tempo de deixarmos de tomar inconscientemente aquilo que é uma das nossas heranças gastronómicas, devendo antes ser críticos e, para tal, acrescentarmos conhecimento à nossa natural propensão para os assuntos da mesa (sim, a herança assenta na combinação à mesa de comida tradicional e vinhos - não quer dizer que não possamos generalizar o duo comida-bebidas fermentadas). Pela descoberta das novas propostas da Mean Sardine. Pela diligente associação, a revelar qualidades, a provocar interrogações, a sugerir novos caminhos.

Vão até lá.

Cones crocantes com tataki de atum e cebola caramelizada - Mean Sardine Zagaia (uma Belgian Dubbel)
O caramelo da cebola a dar-se bem com as notas de caramelo da cerveja. Gostei da junção de texturas e da ligação entre o sabor do atum e as ligeiras especiarias da Zagaia.

Ceviche de robalo com leite de tigre e puré de batata doce - Mean Sardine A Walk in Madeira (maracujá, envelhecido em  barris de vinho da Madeira)
Muita acidez no prato, algum picante e as notas doces e tropicais da cerveja

Tártaro de atum marinado com molho Himitsu - Mean Sardine Portuguese Grape Ale (Barrel Aged  Imperial Saison with portuguese grape must)
A melhor harmonização. A cerveja, com a sua ligação evidente ao mundo vínico a comportar-se acentuadamente como um vinho; quase a ligação clássica de um verde com um peixe vermelho, com proteína acentuada. Acidez (do molho ponzu onde o atum foi marinado), picante, e a textura crocante. Muito bom.

Combinado de sushi de fusão - Mean Sardine Amura (American Pale Ale)
(a partir da direita alta no sentido dos ponteiros do relógio) 1. Salmão e arroz - fresh roll; 2. Camarão salteado em brandy, folha de arroz frita 3. Apple roll, tempura de camarão, maçã verde, rebentos vários, tempura caranguejo; 4. Enguia fumada ; 5. Nigiri atum braseado
O amargor característico de uma American Pale Ale a contrastar com a doçura do sushi de fusão. Diversas texturas, contrastes de sabor que se complementam. Pura luxúria para amantes de sensações fortes.

Sobremesa tradicional - Mean Sardine Mafra Palace (Belgian Dark Strong Ale)
Um folhado com recheio de ovos, com gelado de limão para cortar o doce e o toque característico da canela.
Percebe-se a intenção - uma dark ale, adocicada, um corpo mais consistente com algum amargor, na tentativa de contrabalançar o ovo. Talvez o limão, que tão bem e classicamente contém o doce, fosse demais para a cerveja. Mas uma bela sobremesa.

Himitsu Sushi Bar
Rua Serpa Pinto nº 19, Mafra
Todos os dias, 12:30 – 15:30; 19:30 – 23:00


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