Metafísica dos restaurantes
Estava assim, um destes dias, na EHTL, fechado na minha concha, a olhar distraído a sala nos intervalos entre cada prato e inevitavelmente dialogando com esse estranho outro em que me divido. Falávamos nós - ou pensávamos - sobre a excelência, mais precisamente na medida de excelência de um restaurante e no caminho para a alcançar, quando começou a ser servido o terceiro prato da ementa, para o qual o chefe Nuno Diniz me tinha provocatória e certamente avisado com a seguinte frase: "pense só nisto: é a antítese da tinta de choco." Os caminhos possíveis para a interpretação desta interpretação eram muitos; tinha pensado em alguns. O prato chegou assim de aura estimulada, prolongada pelas associações que me criou e que acrescentou ao sensorial o prazer intelectual. Sobre o prato branco, os diversos elementos da mesma cor (quantos brancos diferentes tem o mundo?) conjugavam-se numa composição tonal, que por associação me recordou o suprematista "Branco sobre Branco" do Malevich (há aqui um trocadilho à espera que prefiro dispensar) ou, por antonímia, o black on black "Tribute to Thelonious Monk" do Massimo Bottura.
"Branco sobre branco", Kazimir Malevich, 1918 (MoMA) |
"Tribute to Thelonious Monk", Massimo Bottura (sobre o prato e o seu autor ler, por exemplo, aqui) |
"Peixe-galo e Anona" assim estava crismado e, para além da ideia culinária que o ditou e das marcantes combinações de gostos que escondia, o que me deixou a pensar foi a arte da gestão de expectativas que criara aquela frase: o modo como, antes de o provar - antes de o ver -, já tinha reservado a minha atenção e a minha disponibilidade para o apreciar.
"Peixe-galo e anona", um estudo em branco |
E depois de tão sábia conclusão, estendida para os pratos seguintes, não tive mais nada para acrescentar, deixando mais conversas para os próximos almoços e os olhos a descansar na memória da sobremesa do dia...
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