Os tomates das mulheres

Mulheres com Tomates
O painel das intervenientes com, da esquerda para a direita: Alexandra Prado Coelho (jornalista, Público), Rita Nabeiro (gestora, Vinhos Adega Mayor), Marlene Vieira (cozinheira e empresária, Restaurante Panorâmico e banca Marlene), Maria Canabal (jornalista e presidente do Parabere Forum),  Constança Raposo Cordeiro (barwoman, Peg+Patriot),  Ana Carrilho (engenheira, oleóloga, Herdade do Esporão), Graça Saraiva (empresária, consultora, Ervas Finas)

Fui criado num mundo sem diferenças quanto à capacidade de trabalho de qualquer dos sexos (se diferença houvesse ela seria favorável ao feminino, pelos exemplos que observei). A minha mãe teve um emprego toda a sua vida, as minhas avós também. Foram, sem excepção, grandes mulheres, que enfrentaram o que o acaso ou as suas escolhas ditaram, sem se recolherem ao chapéu de chuva protector de maridos ou filhos. Lutaram, ultrapassaram crises e os escolhos do quotidiano, criaram filhos, deixaram como memória um exemplo de tenacidade e de força interior.

É assim natural que - apesar de ter nascido num tempo em que socialmente, os papeis de cada sexo estavam bem compartimentados, apesar da educação na escola e inter pares me ter tentado condicionar na aceitação dos mesmos - para mim, a questão da validade do trabalho feminino tenha sido sempre uma não questão (ainda me lembro da admiração que senti quando, há muitos anos, numa entrevista para um possível emprego me questionaram sobre o que sentiria se trabalhasse sob as ordens de uma mulher e o que então respondi: há quem se sinta incomodado a trabalhar nessas condições?). Por isso, quando presencio um debate que gire à volta deste tema, e também porque o mesmo invariavelmente se revela inconclusivo (ou porque as partes se recusam a ouvir ou porque a capacidade analítica se perde), dou por mim a pensar na incrível perda de tempo e de energias que provoca.

Não me interpretem mal. Eu sei que há cabeças pouco pensantes que continuam a defender que há actividades profissionais com género impossível (educador de infância, homem a dias, carpinteira de toscos, pedreira, são alguns exemplos) e, pior, promoções profissionais que deverão ser reservadas apenas a um dos sexos. Sei igualmente que, para além da óbvia misoginia que afecta ainda grandes franjas de alguns sectores empresariais, o paradigma de que à mulher cabe a responsabilidade pela gestão doméstica e filial (infelizmente também assumido por muitos casais) é responsável, muitas vezes pelo preterir de profissionais válidas ou mesmo razão para o não reconhecimento da excelência dessas qualidades ("é competente, mas..." ou "não é válida, porque..."), pelo que a luta pela implantação de uma cultura da igualdade (eu diria da óbvia igualdade) de direitos e deveres (não confundir com a igualdade entre géneros) deverá ser trabalho de toda a sociedade no seu conjunto e nas suas instituições mas também de todos aqueles para quem os valores ocidentais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade (por menos estes) são para serem mais vividos que citados.

Ainda que mais eficaz quando começa de tenra idade e especialmente em casa (seria talvez interessante começar por fazer ver o quanto estão erradas as muitas mães que ainda consideram existirem prioridades diferentes na formação de filhas e filhos), para gente mais graúda, parece-me mais profícuo demonstrar pelo exemplo como a excelência pode ser alcançada sem consideração do género (como me parece ser o caso do Parebere Forum, presidido por Maria Canabal).

Exemplo desta atitude, o debate "Mulheres com Tomates" integrado na programação da Lisbon Food Week,  e organizado pela Nutsbranding tinha como objectivo apresentar e aprender com a experiência de algumas profissionais de mérito reconhecido na sua área profissional ligada, de uma forma ou outra à gastronomia na sua forma mais lata.

As organizadoras: Patrícia Conde (esq) e Laura Lopes - NUTS!
Passando ao lado da ironia do nome (porque é que se associa o sucesso feminino a uma característica exclusivamente masculina?), o que me pareceu importante reter foram os exemplos de vida marcantes na sua diversidade e o meu reconhecimento pela luta profissional que me pareceu, pelo declarado (com excepção, da chef Marlene Vieira), pouco afectada por preconceitos de género, antes pela vontade de superação, pelo profissionalismo e pela manifesta vontade de ser, verdadeiramente, primus inter pares.

Alexandra Prado Coelho: "A ascensão a cargos de chefia não é necessariamente condição sine qua non para o "sucesso" profissional"; Manifestamente contra as quotas "a escolha das chefias deve ter por base unicamente critérios de competência"
Marlene Vieira: "Cheguei onde cheguei mas foi duro; há uns anos, quando trabalhava no *****, descobri que a um colega que tinha entrado ao mesmo tempo que eu, tinha as mesmas responsabilidades e o mesmo currículo, lhe tinham oferecido de entrada um ordenado bem superior ao meu"
Maria Canabal: "O trabalho não tem género." "Marquesa de Parabere" é o pseudónimo de uma cozinheira basca que escreveu a primeira enciclopédia culinária em Espanha. Jornalista, escrevia sob pseudónimo porque, na época , vedado às mulheres escrever em jornais, com excepção das que tinham origem nobre. O Parabere Forum visa dar voz e transmitir a visão das mulheres que integram o mundo da gastronomia. 

Graça Sarava: "Cozinhar é fazer paisagem"

Pouco explorado, infelizmente, foi o tema "cozinha" e a que me pareceria ser a pergunta mais interessante para discutir, no contexto do debate:

- Considerando que, na sua génese, a organização tradicional de uma brigada de cozinha, ainda em vigor em muitos restaurantes, é herdeira de uma visão militarista de organização do trabalho (*), logo uma visão masculina, terão à partida e genericamente as mulheres cozinheiras, as mesmas condições de carreira do que os seus colegas? Ou seja, com este tipo de organização não se torna inevitável que a chefia se sobreponha à liderança, a ordem ao diálogo, a ditadura à tirania?

Dito de outra maneira: será necessária uma mudança no paradigma de organização de uma cozinha (e isso tem de começar nas escolas profissionais) para que, verdadeiramente, as oportunidades no decorrer da carreira sejam mais iguais para tod@s?

Estará, neste caso, o jogo profissional viciado desde o início? E estando, para que serviriam as quotas?

Duplamente, food for thought. O que vocês acham?

(*) - Começando logo pelo termo "brigada"

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