Novas (das) Migas de Mora: Cyril Devilliers

Migas do Fluviário (recheadas com pé de porco desfiado, cogumelos e chouriço regional)
O que resulta do encontro de cozinhas regionais? Ficarão os puristas satisfeitamente indignados com a fusão resultante, o suposto aviltamento da pureza, da alma, da norma?

Em verdade, em verdade vos questiono. Qual  das purezas? Qual das almas? Qual das normas?

A menos que exista um cânone (artificialmente) fixado por entidade encartada para o efeito (e mesmo assim...) às cozinhas populares, às cozinhas tradicionais, a única aferição possível - para além da qualidade dos ingredientes e da confecção - é a do gosto (definido pelas memórias próprias e herdadas) das populações onde se inserem. Nada mais (e é muito).

Súmulas de séculos, resultado tanto das disponibilidades como da inventiva de mãos inspiradas, as cozinhas regionais são síntese de fusões múltiplas, dos gostos de cozinheiros anónimos, de inspirações pessoais que se tornam colectivas, de imigrantes e emigrantes recentes ou perdidos no passado perdido, num tempo novidade e noutro antiguidade. Evolutivas, nunca cristalizadas.

É por isso tão estranho convidar um cozinheiro, francês de nascimento e formação, português de trabalho e amores, a participar na discussão das migas de Mora e dele esperar um contributo que eleve, realce, melhore o corpus gastronómico mais tradicional do concelho?

Claro que não.


Eis Cyril Devilliers que, no seu rincão cascalense do Guincho, persiste em optimizar o que consideramos ser uma cozinha atlântica de referência, a fazer-se à estrada e a desaguar no Fluviário de Mora, esse monumento ao vigor da motivação autárquica, prova do superior interesse da descentralização.

Fluviário de mora: Vista da entrada (Fonte: evoracapitalentejana.files.wordpress.com)

A sala do restaurante, com vista para o aquário que já foi das lontras e agora é das carpas
Do chapéu de Chef retirou, não um coelho, mas uma junção de tradições: as migas não como acompanhamento, mas como primeiro elemento, em torta, e um recheio (o pendente mais francês, presente em tantas preparações regionais) feito com os comuns cogumelos, e os populares (cá e lá) pés de porco, picados e tudo ligado com o colagénio obtido pela cozedura lenta das mãos de vaca. Eis como o "cá" e o "lá" se aproximam, fundindo-se numa entidade que nos apela o desejo e se torna também nossa. Não é cozinha "de autor", não é cozinha "de fusão", é cozinha bem feita, que partilha e, compreendendo, soube apreender.










Neste espaço que no entender do seu responsável, não se constitui como uma alternativa aos bons restaurantes da região, antes como um complemento da visita, uma ajuda aos estômagos cansados e que, como a exposição vizinha, pretende mostrar o gastronomicamente bom da região, a carta não é extensa mais suficientemente apelativa: no caso das migas, Migas de Espargos ou de Batata com Carne de Alguidar e Migas de Coentros com Secretos de Porco Preto, como este exemplar de babar (quem consegue pensar na Quaresma perante este pedaço de descaminho?)



Como o resto, os enchidos e os queijos de entrada são como as boites de antanho: com clientela (neste caso, fornecedor) seleccionada. Estava eu a combinar com o Chef uma visita a uma das mais espantosas salsicharias da região, quando, orgulhosos me mostram a etiqueta de um chouriço de truz: nem mais que o Fumeiro de Dona Octávia que eu me entusiasmava a recomendar.

Digam-me lá, na comparação entre estes dois, qual o despiciente e qual motivaria atravessar o país na sua demanda?





E para trás - ou para a frente... - ficou mais uma etapa deste mês migado, com mais receitas, mais partilha, mais momentos para guardar.

Beijos e abraço à equipa que tão vivas e saborosas mantêm as tradições de família neste cantinho que merece visita flanante...


Para aperitivo (Não! Aperitivo visual!) eis alguns dos exemplares em exposição.

O cumba: a espécie de barbo em Portugal que maior dimensão atinge: 100 cm


Esturjão

Truta arco-íris

Lúcio, o voraz (lembram-se do A Espada era a Lei da Disney? (33:15))

Charroco
Fluviário de Mora
Parque Ecológico do Gameiro, Cabeção, Mora
N 38º W 08º 6 230
W 08º 6 230
Altitude - 50m
GPS 38.9558 / -8.1070

Comentários

Paulina disse…
Adorei o prato do Cyril, e não fiquei com menos vontade de provar todas as outras migas...
Paulina disse…
Aliás, estes posts fizeram-me lembrar um prato que se fazia em casa da minha Avó. Uma açorda com mioleira e rim. Ai o que eu dava para a comer de novo... Pedro, se se cruzar com algo semelhante por aí, coma duas (uma por mim).
Pedro Cruz Gomes disse…
Eu também daria muito, Paulina, ainda que para mim fosse uma primeira vez... Se me cruzar com algo assim, peço uma quentinha e congelo para enviar para aí. Ou, quando voltar do (bom) exílio, vamos excursionar à sua procura.
Paulina disse…
Está combinado!

No último ano..