Hugo Brito encerrou o ciclo "
Chefs à Mesa" integrado na 5ª edição do
Mês das Migas do concelho de Mora, estando presente no restaurante "
O Solar da Vila", no Cabeção, onde confeccionou umas
Migas com Cogumelos e Algas, prato especialmente concebido para o efeito. Das impressões e emoções, aqui fica a crónica.
Por onde começar quando se está a terminar?
Pela emoção. Por sentir que, como Coimbra, estas migas tiveram mais encanto na hora da despedida (não que as anteriores o tivessem menos; ou que todas as caras e vozes e gestos que vieram antes tivessem sido menos sentidos, reconhecidos, apreciados por mim). Por me ter sentido - por nos termos sentido, o Hugo e eu - não como Marcelos mas como alvo dos afectos de vários Marcelos (maioritariamente Marcelas, para ser exacto). Esqueçam o Portugal dos pequeninos. Este concelho de Mora é, definitivamente, o Portugal dos grandes.
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O Solar da Vila, cozinha & sala & Hugo Brito. Estar no seu meio é um privilégio |
Dito isto, falemos do que importa.
Do Cabeção, em primeiro lugar, a (ainda) capital portuguesa do vinho de talha, um dos últimos abencerragens dos vinhos históricos que ainda teimam em ser feitos e, provavelmente, o único com o futuro garantido dado o aparente entusiasmo com que se vão multiplicando os projectos de produção país fora.
Depois, de
O Solar da Vila, o restaurante que acolheu a derradeira participação de 2018 desta (nunca é demais repeti-lo) meritória acção de troca de ideias e conceitos entre cozinheiros, promovida pela Câmara Municipal de Mora.
Casa com uma equipa com um coração tão grande quanto a variedade de migas que oferece, feitas com o saber de muitos anos de exercício. Quando as primeiras palavras que ouvimos, ao entrar na cozinha são "
Acabámos de fazer uma tiborna - não quer provar?" sabemos que estamos no caminho certo para a nossa felicidade.
(E as seguintes que deixam memória são "
E agora vai uma Tareca para comemorar?" - e toda a cozinha e sala se reúne num brinde à partilha e ao bem fazer.)
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A Tareca: o cocktail da casa |
Finalmente, do Hugo Brito, o homem que, montando as rupturas do Boi-Cavalo, as oficiou magnificamente numa tarde solarenga com tão pouco de invernia quanto a água que os campos não têm.
Rupturas com subtileza de sugestões, usando o impacto visual para menorizar dissonâncias que, quando apercebidas, já entranhadas estavam. Explico melhor: aquilo que poderia parecer estranho (
algas? cogumelos com algas?) não era mais que dizer, com matérias-primas diversas, o que já é tradicional - as migas terra-mar, com os sabores das ervas e o peixe a acompanhar (como as migas gatas com bacalhau ou as migas de coentros com
jaquinzinhos). A presença da cor (o amarelo das "telhas de farinha de tremoço) e das texturas (as mesmas "telhas e as pétalas de cebola desidratada), para além de complementarem o prato, tanto no sabor quanto na textura, divergem a atenção / "preocupação" (
saberá bem?) dos comensais, criando uma expectativa mais favorável a uma apreciação positiva a qual é confirmada pela efectiva qualidade do resultado final.
(Teoria a mais para falar de algo que tem por finalidade alimentar? Acham? Talvez.)
Prato de surpresa agradada, prato de sorrisos de quem estava (e o restaurante estava esgotado), prato de lamento por ser de prova e não de ementa.
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Hugo Brito na apresentação do prato, perante plateia completa |
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E novamente a música regional a acompanhar o repasto |
Mas comecei pelo fim. Voltemos ao princípio. Ao caldo de cogumelos salteados feito de véspera e à pasta uniforme que viria a acrescentar-se ao pão.
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Coreografia ad-hoc entre a proprietária, Francelina Figueira e Hugo Brito:
ensaiados não ficariam mais perfeitos no boneco |
Às cebolas levadas ao forno até enegrecidas, depois desidratadas sem as camadas exteriores.
À aguadilha feita com farinha de tremoço e colherada num
silpat, levada igualmente ao forno até ocorrer o rendilhado pretendido.
E depois as migas elas-mesmas, pão colocado na panela com gordura e alho, o calor da chama a fazer o seu trabalho e o braço do Chefe a rodar sem fim.
E a papa resultante a sair, pronta para o intervalo.
E, na segunda parte, o elegante volteio da frigideira com os golpes de mão, para os fortes e os batidos, e o sorriso de satisfação pelo final alongado, a camada exterior seca, a abrir-se em humidade olorosa e fumegante.
No entretanto, no antes e no depois, uma azáfama de festival. Equipa que apresenta doze pratos de migas é, mais do que corajosa, ultra confiante na sua competência.
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A grelha é território da D. Joana, |
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E este voltear de migas de saber feito da D. Cecília dá gosto de seguir |
E que colecção: migas de batata com carne da calda; migas de espargos com lagartos ou com lombinhos ou com secretos ou com carne da calda; migas de coentros com cação frito ou com lagartos; migas de tomate com petintas ou carapaus fritos; migas de feijão com couve igualmente com petingas ou carapauzinhos fritos; migas alentejanas com enchidos e toucinho ou carne da calda; migas de hortelã com cação frito; migas gatas com bacalhau..., mãezinha, haja capacidade estomacal para juntar à vontade de tudo provar!
Como estas migas gatas: pão aboborado no caldo de cozedura do bacalhau,
e depois posto a dormir nos seus vapores,
até ser despido de líquido, passado no calor e perfumado com coentros, para este casamento tão litorâneo quanto interior, esta base da cozinha portuguesa. Pão e bacalhau, ingredientes de viajantes aqui chegados um dia, nacionalizados numa esquina do tempo tão distante que se tornaram resolutamente nossos.
Nas mesas, estas torturas, para além da sagrada trilogia azeitonas-pão-queijo, torresmos do riçol e uns ovos mexidos com espargos e farinheira de tinir corações.
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Entradas |
Ou ainda os mesmos ovos mexidos com espargos mas com chouriço como alternativa, ou uns cogumelos sobrantes para entreter.
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Ovos mexidos com espargos e chouriço |
E, depois, esta sucessão de candidatos a melhor relacionamento com o prazer.
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Migas alentejanas com enchidos e toucinho |
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Migas de hortelã com jaquinzinhos fritos |
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Migas de coentros com peixe frito |
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Migas de espargos |
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Migas de batata com carne da calda |
E o vinho, Do Cabeção, que bem pertence.
Restaurante O Solar da Vila
Rua da Esperança, 17, Cabeção,
Tel. 933 818 943
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