Cláudio Pontes - Carne Matutada (II)


A propósito das experiências de maturação de carne de vaca dos Açores IGP que tem vindo a realizar, conversei com Cláudio Pontes, o Chef executivo do Azor Hotel, de Ponta Delgada. Depois da impactante experiência vivida com a degustação de duas peças maturadas durante 300 dias, tornou-se importante saber mais sobre as ideias e práticas que justificam e explicam este posicionamento. Eis o resultado da conversa mantida, com o oceano pelo meio. Tanto mar...

 

Comecemos pela matéria-prima original: a carne de vaca dos Açores que, aliás, é objecto de uma Indicação Geográfica Protegida. Tem preferências ou existem diferenças distinguíveis em termos de sabor nos animais provenientes das várias ilhas ou de raças diferentes? Há preferência quanto ao sexo, nota uma diferença visível no sabor e na tenrura se macho ou fêmea?

Os animais têm características físicas diferentes conforme sejam criados na planície ou em regiões de maior altitude, com maior declive. Nas planícies, existem mais pastos e os animais não se deslocam com tanto esforço, pelo que tendem a acumular mais gordura. Gosto muito do sabor da carne dos machos da raça Ramo Grande, da Terceira, Pico ou S. Miguel. É, no entanto difícil de encontrar no mercado porque tem os tem não os quer vender, são quase animais de estimação.

Os animais tiveram, na maior parte da vida, uma função específica (leiteiras, cobridores) ou foram criados só com o objectivo da qualidade da carne? Há nos Açores cuidados especiais na selecção e criação de reses para consumo de carne?

Aqui ainda se faz a criação dos animais principalmente na óptica da produção de leite e de assegurar uma boa descendência. A optimização da produção de carne não é uma prioridade ainda que, mesmo assim, a carne disponível tenha características diferenciadas das do continente e seja de boa qualidade.

E no que respeita à idade da rês que considera ideal para se obterem os melhores resultados ?

Eu prefiro trabalhar com animais mais velhos que consiga encontrar - 8 anos ou mais - porque pq depois da amamentação a vaca fica mais gorda e tem uma vida mais “calma”. Neste período a carne fica mais gorda o que vai ajudar numa maturação mais gordurosa e mais rica em sabor a pastagem, conduzindo a uma menor perda de peso.

Quanto ao desmanche: Quanto tempo medeia entre o abate e o desmanche?

Quatro a cinco dias.


Há um corte específico nos Açores / Ilha Terceira (isto é, a generalidade dos açougueiros segue o mesmo tipo de desmanche se não solicitados em contrário)? Há diferenças marcantes em relação ao continente? Notei que, no restaurante, usam cortes fora do uso continental (como, por exemplo, o Tomahawk) - foi opção do Cláudio, penso, ou são usados em S. Miguel?

Não me parece que existam grandes diferenças em relação ao continente. No entanto, quando comecei trabalhar com as carnes aqui no hotel, decidi que teria de ter peças diferentes do usual e sempre com o osso,o que nos dá um sabor acrescentado como é o caso, por exemplo, do Acém comprido ou do Cachaço, que é muito usado na Terceira para as Alcatras. Inspirei-me muito na influencia americana aqui nos Açores.


O desmanche é sempre feito pelo mesmo profissional / talho ou é feito no hotel?

O desmanche por peças agora é feito no talhante - que é o Pedro Diogo -, mas no inicio só era feito comigo no talho o que foi uma grande aprendizagem para ambos. O primeiro desmanche foi de um boi com mil e duzentos quilos, um verdadeiro "animal".

E como foi a reacção do talhante perante estes pedidos - curiosidade, resistência, desconfiança, entusiasmo?

No inicio foi de desconfiança e depois foi de aceitação porque era um desafio novo que o entusiasmou.


Que cortes são mais usados no À Terra?

Tomahawk, Costeletão, T-Bone, Folha da Alcatra, Lombo, Jarrete, 7 da Pá, Acém redondo, Chã de fora, são alguns... Tento utilizar a vaca toda e ir fazendo algumas experiências de maturação com cada uma delas.


Quanto à maturação: Quais os tempos de maturação utilizados e para que cortes? Que diferenças sente na características das peças (sabor, odor, tenrura) em cada tempo? Quais são os rendimentos para cada tempo (qual a perda de peso)? Há um tempo limite a partir do qual não se nota evolução nestas características?

Tento fazer com todas as peças 40 dias de maturação, mas a partir das 30 dias já se começa a ver a reacção da maturação Dry Aging (controlada por frio e humidade).


Já tive a oportunidade de fazer a maturação durante trezentos dias de uma peça de um boi velho e o resultado foi qualquer coisa de maravilhoso, nessa altura até se consegue sentir o sabor do pasto, do queijo velho, do foie gras. É algo que só experimentado - é inexplicável e magico.

Numa maturação Dry Aging a perda é grande, entre os quarenta e os cinquenta por cento, mas o resultado final é top.



Quais são os diversos passos seguidos na preparação das peças para maturação? Quais as condições de temperatura e humidade mantidas na câmara frigorífica?

Esse é o segredo caro Pedro! Acho que na cozinha não deve haver “segredos”, mas esse vou guardar durante uns tempo, depois falamos. Mas começo sempre com a temperatura entre um e três graus e setenta por cento de humidade.


Quanto à preparação: Do ponto de vista do cozinheiro, quais as vantagens em utilizar carne maturada? São especificamente de sabor ou também de preparação? As peças maturadas são essencialmente preparadas na grelha/forno para lhes realçar o sabor, penso. Têm mais modos de confecção que usam e entendem adequados para esta carne?

Do nosso ponto de vista é tentar pegar em peças "de segunda" e conseguir transformá-las em algo diferente, com a curiosidade de ver a evolução das peças. Aí vamos conseguindo trabalhar sabor. Variamos igualmente o modo de preparação das mesmas, para além da grelha. O Nispo ou uma Maçã do peito, peças que necessitam de cozeduras lentas, depois de maturados ficam ainda mais ricas no forno de lenha.


Quanto ao consumo: Quais os objectivos do restaurante/Cláudio pretendidos com o recurso à carne maturada? Qual a resposta dos clientes?

O objectivo é transformar parte do restaurante numa steakhouse premium. Chegámos a esta ideia precisamente devido à curiosidade e à procura deste tipo de carne que sentimos nos clientes. Para além disso, com a abertura dos Açores para o mercado americano, acho que esta oferta será uma mais valia para nós - Azor À Terra.



Que caminhos pretende explorar neste domínio (podem-se saber?) - diversos recobrimentos na preparação da carne para maturação, novas combinações de ingredientes nos pratos, novas técnicas de cozedura?

Depois da maturação, estamos trabalhar em várias técnicas de cozeduras como já referi, forno de lenha (também cozeduras lentas, em vácuo, mas não gosto muito). Acho que os cozinheiros têm que saber controlar o fogo, a chama.


Aproveito para falarmos um pouco sobre o restaurante. O que é o À Terra? O que pretende que os clientes encontrem quando o visitam?

O À Terra é um espaço cosmopolita que está inserido na nossa pequena cidade de Ponta Delgada, e que, creio, vai continuar a crescer muito, como tem crescido.

Nós queremos que os nossos clientes se sintam em casa, confortáveis, e com uma comida de conforto e um pouco atrevida. E que possa usufruir da vista do bom ambiente.

Restaurante À Terra
Azor Hotel
Todos os dias das 19:00 às 23:00
Av. Dr. João Bosco Mora Amaral, Ponta Delgada, Ilha Terceira, Açores
Tel.: 351 296 249 900

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