Sushi bar: The Oitavos maravilha


Há uma dimensão na gastronomia japonesa que provamos que nos irá escapar sempre. Não é um problema do emissor, é um problema do receptor - nós. Escapam-nos a simbologia, a comunhão cultural, a identificação social, afastadas que estão um mundo as matrizes culturais que definem as nossas interpretações da realidade.

Contudo, perante uma preparação culinária que persegue as regras e as técnicas do país do Sol Nascente, tal não nos impede de a desfrutar, tendo como únicos critérios os nossos padrões de gosto e o nosso prazer. Padrões, como sempre, a ser treinados e desenvolvidos. Prazer, a sentir concentrados e exigentes.

Sou do tempo em que o melhor lugar de Lisboa para se encontrar uma refeição japonesa era o aeroporto da Portela... em vôo directo para destino mais bem apetrechado. O deserto erradicou-se aos poucos, com a chegada de Takashi Yoshitake e do seu Aya, que fez casa e discípulos, sendo talvez o mais importante Tomoaki Kanazawa com quem muito aprendi nos, infelizmente, poucos mas intensos encontros que mantivemos. Depois, o Paulo Morais explicou-nos que as virtudes japonesas poderiam ser apreendidas e partilhadas com cozinheiros nacionais e, mais recentemente, o Luís Barradas soube trilhar um caminho de síntese que simboliza o lugar interessante que pode ser a gastronomia japonesa oficiada em Portugal, em conjunto com algumas casas que ultrapassaram o movimento da novidade e souberam ancorar-se nos gostos e nos hábitos de nicho de muitos lisboetas.

Eis-nos chegados ao The Oitavos, o hotel do Guincho em cujo restaurante oficia como Chef executivo, quase desde o princípio, o franco-luso (francês de nascimento, português de coração, já ramificado) Cyril Devilliers. Com um serviço de sushi de presença intermitente ao longo dos anos, eis que, no presente, decide apostar num sushi bar, após ter encontrado quem, no entender do Chef, é um sushiman com competência equivalente à excelente cozinha que, desde sempre, é apanágio do hotel: Rui Fontes, o homem por detrás das artes tradicionais da escolha, preparação e harmonização das preparações que nos irão ser servidas.

Rui Fontes (à esquerda) e Cyril Devilliers:
o balcão e o expositor com o magnífico conjunto de matérias do mar, de irrepreensível frescura e qualidade
Não somos saudados com o tradicional “Irasshai, irasshaimase!” mas parece-me que tal ficaria completamente fora de contexto num local que, mais do que mimar um sushibar japonês, pretende utilizar as técnicas e a tradição japonesa como veículo para oferecer o que continuamente faz desde a sua inauguração: um momento gastronómico memorável, feito com os melhores produtos e os melhores profissionais disponíveis. Chamemos-lhe um princípio de Casa das Nações onde, diferindo a linguagem, o fundamental do texto se mantém em todo o seu espaço - servir, agradar, dar o melhor de si, proporcionar o melhor.

"Nós queremos que o cliente se fascine com a qualidade dos produtos, guarde na sua memória, para além da preparação, a fantástica qualidade do peixe e do marisco que usamos - e que volte muitas vezes para se saciar", diz-me o Chef Cyril. E, dando o palco a Rui Fontes, deixa-o provar com as suas preparações, a veracidade da sua frase.

E assim começa a jornada.

Deixem-me de imediato destacar o absoluto cuidado posto nas harmonizações com as bebidas servidas, acto sempre de louvar, ainda mais no caso de uma estrangeira (e difícil de ligar, face à diferença de hábitos do tipo de bebidas alcoólicas consumidas nos dois países) e quase radical gastronomia no que toca à diferença de texturas e sabores face às tradições portuguesas onde cresceram em paralelo vinhos e culinária. Não é demais realçar e congratular os autores pela diversidade e habilidade, muito para além da habitual e cansada utilização do rosé como panaceia para a ausência do domínio da arte de bem combinar álcool e alimento.

Depois, a confirmação da frescura de todos os ingredientes, os cambiantes de sabor das diversas espécies bem preservados e habilmente acentuados com uma acidez aqui, uma textura crocante ali, o picante quase subtil do wasabi ou do gengibre, as quase surpresas da beleza da apresentação das tiras de lula ou do pepino a substituir a alga no maki, ou a doçura envolvente do pedaço da enguia e a simplicidade da apresentação do camarão deixando a primazia ao sabor.

Por fim, a sobremesa que junta dois mundos gastronómicos - o Japão e a França - unidos pelo rigor e a conjugação de elementos e técnicas originários das duas culturas.

Agora, sim, sejam bem vindos.



Toro de atum com arroz, alga wakame, cebola e molho ponzu


Lula em rolo com cebolo, ovas de peixe voador, sunomono, casca de yuzu curada em sal e açúcar


Sake de Yamada Nishiki, um tipo de arroz cultivado especificamente para sake e que é o mais considerado

Tataki de carapau (aji) com cebolo e gengibre ralado



Rui Fontes

Maki de pepino doce, cebolo, abacate e atum (chutoro, uma das subdivisões japonesas da barriga de atum - toro)


Teriyaki de enguia (o glacê (tare) preparado no restaurante)

Nigiri zushi de camarão

Limpa palatos

Gota de água de yuzu, melaço e crumble de kinako (farinha de soja)
Pasteleiro: Alexandre Litou
(Foto: Mariana Cruz Gomes)

Oyatsu (snack) (Nome da composição e romanização dos caracteres escritos no prato)
Gelado de matcha com telha de sésamo, Trufa branca de yuzu, Terrine de Manjari
(da esquerda para a direita) Pasteleiro: Alexandre Litou

Sushibar, restaurante do The Oitavos Hotel
R. de Oitavos, 2750-374 Cascais
Tel.: 21 486 0020

Comentários

No último ano..