Pigmeu, V. 3.4


Cumprir três anos de restaurativa vida nesta Lisboa de modas cada vez mais rapidamente mutáveis é motivo de alegria tanto por parte de proprietários quanto de devotos clientes. Significa consistência de parte a parte, capacidade de gestão aliada à boa cozinha, bom serviço e uma ideia, um projecto, uma realidade a pairar acima das fugazes vaidades e inúteis vedetismos.

(Tanta coisa para ultrapassar uma migalha na poeira cósmica do Tempo. Mas é assim.)



Foi o que aconteceu com o Pigmeu, o restaurante de Campo de Ourique que devota toda a sua oferta às inúmeras variações de preparações passíveis de acontecer tendo com principal matéria prima o porco. Com um dos nomes trocadilho mais bem dispostos da cidade, é um lugar de boa disposição mútua, de descobertas e reencontros, sendo um bom exemplo da boa onda de Campo de Ourique, um dos últimos bairros "bairro" da cidade, resistente área onde o comércio local se mantém vivo, onde ainda é possível passear, descobrir cidade.

Para partilhar com os amigos (e englobem nesta categoria todos os comensais que o alegram com a sua frequência) esta alegria, resolveu o seu proprietário, Miguel Peres, criar quatro jantares "globais", convidando alguns dos mais interessantes criadores da cidade e arredores para calaborarem na ementa e na oferta. Sob o lema "#vaidarporcaria", em quatro Domingos seguidos, ficou a casa a abarrotar de sabores e dos risos e puxada conversa de todos os que a demandaram, clientes e desafiados.


Tive a fortuna de estar presente no derradeiro jantar, designado Pork’n’cheese e que contou como oficiantes, para além do Chef residente João Revés, os Chefes André Magalhães (Taberna da Rua das Flores) e Leopoldo Garcia Calhau (Café Garrett), o Queijeiro Pedro Cardoso (Queijaria), o Enólogo Mauro Azóia e o Barman Carlos Santiago (Barman do ano 2015 / Reserve Brand Ambassador Diageo).

Alguns dos culpados: André Magalhães, Miguel Peres e Leopoldo Calhau

Com uma bela companhia à volta da mesa, desfilou sobre ela a proposta de pratos, vinhos, queijos e cocktails. Propostas com a vertente autoral claramente assumida (e era esse o objectivo), com os pratos de André Magalhães a trazer o redesenho de algumas técnicas e petiscos de outras paragens e os de Leopoldo Calhau com a notória e sempre assumida influência da cozinha regional do interior alentejano.

Sangue de porco
com Queijo da Beira Baixa, com 12 meses de cura

Tibornas de beterraba
com Mozzarela di Bufala Campana

As Orelhas com Queijo São Jorge, com 48 meses de cura
que sobraram, na mão de Miguel Peres

Bochechas, maçã e Requeijão de Seia

Bochechas, maçã e Requeijão de Seia

Bombettas com Pecorino

Puttanesca de courato com Queijo Picante da Beira Baixa

Migas e papada com Ossau-Iraty

Queijos e bacon
Compota de bacon com (de cima para baixo:)
Picón Bejes-Tresviso (Cantábria) com 6 meses de cura,
Peccorino pepato com cerca de 7 meses de cura,
Cabra da Beira Baixa, com 2 meses de cura

André Magalhães, aspergindo o Porco de Beja

O Pudim da Joana
Nas harmonizações, a mão do Mauro Azóia a assumir o risco de harmonizar toda a refeição com alguns dos vinhos produzidos sob a sua orientação, permitindo a prática da abertura de espírito a modelos diferentes de combinações. Alguns desvios acentuados em relação à norma, mesmo assim bem-vindos ao apresentarem novas propostas, todas da região de Lisboa, ainda sem comercialização. Da Haja Cortezia, novo produtor com vinhedos localizados um pouco acima das Azenhas do Mar, provaram-se os monocastas de Moscatel, Malvasia e Alvarinho. Propostas interessantes, com a proximidade do mar a deixar a sua marca na acidez e alguma salinidade, diferente em cada casta. Da região de Óbidos, um blend de Sémillon e Gouveio que tem como nome provisório "P de Penélope". Da mesma região, para finalizar as harmonizações com vinhos tranquilos, um monocasta Syrah, com estágio em barricas velhas.

O Enólogo  com uma das suas criações

Para bem terminar, um licoroso Casa do Cónego que encantou.


Jantar de sucesso, como comprovam os sorrisos finais do André e do Leopoldo. Para o ano haverá mais mas podem ir rumando ao Campo de Ourique que as ofertas ordinárias também se consideram do domínio do extraordinário.


Restaurante Pigmeu
R. 4 de Infantaria, 68,1350-274 Lisboa
Tel.: 351 218 252 990

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