Quorum certo



À cada vez mais eternizada (porque nunca verdadeiramente respondida) questão sobre a identidade da gastronomia portuguesa, muitos se atentam a citar a proverbial "qualidade do produto",  com isso contribuindo involuntariamente para o acentuar do anonimato internacional que quase sempre sofreu. Se exceptuarmos o gálico "à la portugaise" que nos identificou com a presença do tomate (logo com essa "maçã de ouro" que nos chegou ao prato já o país vivia uma maturidade de mais de 500 anos!), o que conhece o mundo das nossas preparações culinárias, dos nossos afectos gastronómicos, da nossa relação com a mesa, o território, a indústria alimentar?

Pouco, quase tão pouco quanto nós mesmos.

Neste Portugal que, quando forçado a tomar posição sobre assuntos determinantes, logo cria um grupo de trabalho ou comissão de notáveis para descansar a consciência e nada resolver, a história recente já nos ensinou que a procura bem intencionada daquela questão -


o que é a gastronomia portuguesa?

sempre esbarrou no muro dos costumes, das conveniências, dos melindres ou dos interesses corporativos. Talvez seja melhor ficar esse trabalho teórico (ainda que a realidade o demonstre estrategicamente necessário) para um tempo outro, deixando revoluções, novicozinhas e manifestos para quando corolários desejados e partir para demonstrações práticas, mão no tacho e nariz no jardim de cheiros, cérebro de passado e sensibilidade de presente.

Querem saber o que é a gastronomia portuguesa? Sentai-vos à nossa mesa e provai o que melhor temos para vos oferecer. Comecem pelo palato, pelo olfacto e pela visão. Escutem os sons, sintam as energias, palpitem com a expectativa.

Assim nós somos.

Assim é o caminho percorrido já por diversos actores nos últimos anos, arredado ainda o pensamento de retribuições ou alavancagens financeiras, contentes por fazer, experimentar, reencenar, reproduzir sabores. Exemplos como a fusão da Taberna da Rua das Flores, o classicismo experimentalista da Taberna Salmoura, a profundidade autêntica da (infelizmente já partida) portuense Casa Inês, as pessoalíssimas visões do Renato Cunha no famalicense Ferrugem, do Hugo "Boi Cavalo" Brito (e esta é uma muito pequena e pessoal mas transmissível lista de grandes memórias) são algumas possibilidades de descoberta de uma cozinha que ainda o sendo já é outra coisa. Vectores diversos, raízes comuns e bem palpáveis, longe da homogeneização do Instagram ou da adaptação pessoal de modelos, modas ou visões de outras paragens.

A semana passada encontrei mais um destes lugares de referência. Com ainda pouco tempo de vida, é um excelente exemplo de como um restaurante de "fine dining" pode apresentar uma identidade diferenciadora que marque bem as suas origens e o local de presença, tornando-se um perfeito embaixador dessa especificidade de gostos a que anteriormente aludi.

O QUORUM


Tem como mentor o Tiago Emanuel Santos que de há muito vem demonstrando querer pensar mais além das regras culinárias, estudando e pesquisando em áreas tão diversas das Ciências Gastronómicas como a Química dos Alimentos, a História da Alimentação, a Reologia, a Antropologia, a Agronomia.

É uma experiência que passei a recomendar aos visitantes que me inquirem sobre os melhores lugares lisboetas introdutórios da gastronomia nacional. Numa cidade gastrofónica, sobrecarregada de referências, ofertas, comunicações, é caso que merece impor-se. É um prazer sentir assim a comida, deixar entrar memórias profundas, tempos adormecidos, velhas amizades julgadas desaparecidas para sempre. Eis um lugar de memórias portuguesas condensadas, postas à descoberta do outro, de quem nos visita com vontade de descobrir e aprender.

Da memória recente do jantar onde fui convidado, ficam as imagens. Menu de degustação, simbiose das duas alternativas oferecidas aos clientes.













Boa selecção de vinhos e competência nas harmonizações que não me cansei de parabenizar, parte importante que são da nossa fruição e identidade à mesa.


Assim nascem amizades duradouras com quem nos entra pela cidade dentro curioso e expectante desta terra novamente (à) descoberta.

QUORUM
Rua do Alecrim, 30B, 1200-018 Lisboa
Horários:
Seg Fechado
Ter 19:30 a 22:30
Qua 12:30 a 15:00, 19:30 a 22:30
Qui 12:30 a 15:00, 19:30 a 22:30
Sex 12:30 a 15:00, 19:30 a 22:30
Sáb 12:30 a 15:00, 19:30 a 22:30
Dom Fechado

Comentários

João disse…
Reologia? A sério?

No último ano..