Quarentena #5 - Respostas



Meu Amor,

Durante anos defendi que o prazer - o que deriva tanto das nossas punções como o obtido pelo cumprimento dos nossos valores - era a mais importante fonte de saúde da nossa vida. Saúde física, mental, moral.

As dietas - mais uma vez sanitárias ou religiosas - não nos farão tão bem quanto a alegria, o riso, o contentamento, a partilha, dizia. E acreditava.

Eis-me culpado de desmesurado orgulho nas minhas convicções. De cego pelo meu raciocínio. De deslumbrado com o meu pensamento.

Não se trata de opor ao epicurismo que tanto me atraiu na adolescência (e como sinto traidoras hoje as mentirosas palavras de Ricardo Reis!) um estoicismo que a tradição cristã sempre procurou inocular nos gestos dos homens (e como foram muitas vezes mentirosos os gestos de quem as aconselhava!). 

O prazer é essencial para sobrevivermos, é essencial para sermos.

Mas este tempo.

Este tempo de ausências, este momento que ainda está, sinto-o, antes da tempestade, abre um alçapão de possibilidades que fazem parecer inúteis esses pedaços de pequena morte, essas alegrias menorizadas, essas efémeras conquistas. A perda que, hoje, muito mais hoje, se torna uma probabilidade (ainda que eventualmente ampliada pela necessidade dos media, pela precisão dos comunicados, pelo desconhecido) apouca-os, desvaloriza-os, impõe-lhes superfluidade.

Como continuar com um mundo que não mais - ou cada vez menos - se apoia em certezas, nos pilares que nos ensinaram (e nós confirmámos, tempo após tempo) a usar?

É difícil - sempre foi - trabalhar a nossa condição humana. É tão mais evidente seguir com a corrente, fazer o esperado, o expectável, o que menos nos perturba o sossego, a paz, a consciência. É pior nos homens, não sei exactamente porquê, talvez as nossas mães nos acarinhem demais, nos perdoem demais, nos isentem demais. Não chega como desculpa. Parte como justificação.

Eu tento. De todas as vezes que cago as coisas - e sabe Deus e eu também como as periodicamente cago mesmo quando me quero convencer de que estou a tomar as decisões (ou as não decisões) mais correctas - procuro aprender com elas e não as repetir. Não sei se aprendo mesmo ou se este é apenas um wishful thinking que sossega a minha consciência: sei que gostaria que assim fosse, sei que gostaria de não juntar mais dor, mais incompreensão, mais feridas.

Sei que gostaria de encarar estes tempos com a serenidade dos justos, com a clareza dos bons, com a dádiva dos amantes.

Amo-te, sempre.

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No último ano..