Quarentena #6 - Pele

Meu Amor,

À flor da pele, cada vez mais à flor da pele vogamos neste confinamento involuntário que aproxima do absurdo o quotidiano de há um mês. 

Há um mês lutávamos, amávamos, sobrevivíamos, éramos apáticos, felizes ou desesperados, vivíamos no mundo, sob o céu, ilusoriamente livres. 

Hoje, as viagens à volta do quarto a que estamos limitados demonstram a fragilidade das nossas certezas e a transitabilidade da constância. 

Lisboetas desde sempre ensinados sobre a possibilidade de um sismo devastador encolhemos os ombros ao destino. Há quase duzentos anos que desconhecemos uma guerra, há cem que não sentimos a angústia de bombas ou esquadrões de assassinos, há quase cinquenta que não nos censuram o pensamento ou controlam os passos.

Podemos rir, brincar, protestar, fugir para a praia ou para as montanhas, intervir, comprar, sair com os amigos, amar sob as estrelas, o Sol, os olhares de quem passa ou está ou vem.

Podíamos. 

Hoje vivemos um novitempo, onde o irreal é o novo normal, onde a liberdade é o nada fazer para além da área privada. 

Iludimo-nos com a comunicação telefónica, com a fantasmagórica presença das video-chamadas, com as vibrações electrónicas que reproduzem a realidade, mas estamos sós, verdadeiramente sós como a esmagadora maioria nunca esteve.

Temos crianças que nos gritam a casa e desesperam, temos governantes que nos enchem as notícias e desesperam, mas estamos presos na solidão infinita de não nos tocarmos, trocarmos afectos, comunicarmos pelo toque. 

Caminhamos para o abismo da nossa incapacidade de alterar a vida, de sermos mais do que espectadores desta batalha contra o silencioso, invisível e, segundo os entendidos, inteligente inimigo.

Revoltar-nos-emos? Chegará o dia em que, em catadupa, começaremos a rebentar as portas e, em revolucionária liberdade, voltarmos a tomar conta das ruas, das praças, dos jardins e a descobrir, sob as calçadas, a praia? 

Amo-te, sempre.

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