Quarentena #7 - Comunicar


Meu Amor,

Se os olhos são o espelho da alma, os poucos locais que percorri fora de casa nos últimos dias são espaços ocupados por fantasmas, tal a recusa em olhar o outro que todos têm quando se entrecruzam. Como se a interrupção desse #fiqueemcasa repetido à exaustão por televisões, governantes, redes sociais fosse motivo de vergonha. Um silêncio visual sepulcral mas ensurdecedor, cheio de culpa, mea massima culpa.

Lembro-me do esmagador Ecce Homo do Nuno Gonçalves, do Cristo feito homem a quem negaram essa mesma humanidade, impedido de ver e de assim comunicar. Perdemos a alma quando não interagimos com o próximo, somos seres sociais, devemo-nos e aos outros devemos essa partilha, esse suporte, essa esperança. 

Depois vejo o teu olhar, esse olhar pelo qual me apaixonei e que todos os dias me renova a esperança e a confiança no futuro, no nosso futuro. Olho e vejo neles um homem bem melhor do que sou, olho e vejo um homem tornado mais forte, olho e vejo uma força que está para além de nós e nos diz sim, vai dar certo sim, vai correr tudo bem.

Inventemos novamente um dia claro, o dia claro que permita acalentar a certeza da esperança.

Sob o asfalto, a praia, meu amor. Sempre. 

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No último ano..