Pos-quarentena #3 - Fine dining: Caminhos possíveis



Não tenho certezas sobre o modo como, até Fevereiro, se decidiam novos negócios na restauração.

Não me refiro às motivações: por paixão, por cópia, por incentivo de familiares e amigos, seriam tão diversas e tão comuns a negócios em moda noutras décadas, dos prédios de rendimento do final do século XIX aos pronto-a-vestir dos anos 60-70, das tascas galegas  oitocentistas às croissanterias dos anos oitenta. As motivações são o que são, do foro psicológico e não me interessam para este texto.

Refiro-me, sim, aos cálculos financeiros (se existentes; esperemos que sim) que suportariam a decisão de avançar e que, entre outras coisas, estariam directamente ligados aos preços de venda dos diversos produtos. E é nesta ligação que não tenho certezas: seria o nível de preços (ou seja, o tipo de restaurante) fixados a priori partindo-se depois para a análise da viabilidade do investimento ou, pelo contrário, far-se-iam as contas ao contrário, partindo-se do valor do investimento disponível para se concluir, somando-se custos, qual o mínimo de facturação possível? Como se chegaria à aprovação de uma solução fine dining?

Não sendo nem investidor nem economista nem restaurador, todo o capítulo interior pode estar errado: não é assim que se procede. Aceito a possível crítica. Em minha defesa apenas tenho a dizer que o texto tinha por objectivo introduzir o tema deste post.

Há uns dias ouvi Henrique Sá Pessoa dizer - e muito bem - que o seu restaurante de fine dining teria de passar a oferecer mais aos seus clientes. Subentendi eu que o que HSP pretendia afirmar era que, face ao desaparecimento dos clientes estrangeiros e não podendo baixar os preços sob pena de inviabilizar o negócio, era necessário aumentar a mais valia percepcionada pelos clientes nacionais (com menor poder de compra e, logo, maior exigência).

Igualmente há algumas semanas ouvi Rodrigo Castelo afirmar a sua crença na manutenção dos restaurantes de fine dining, com uma solução oposta (creio): a diminuição do food cost (será necessária muita imaginação para convencer alguém a desembolsar mais de uma centena de euros por produtos menores mas é admissível que se consiga).

São duas soluções possíveis, ainda que me pareça que escamoteiem um factor importante: a probabilidade de, com tantas falências e diminuição de rendimentos que se perfilam, nem com a totalidade dos anteriores clientes portugueses poderem contar.

Se adicionarmos as restrições à lotação agora anunciadas parece-me que, mais do que uma adaptação, será necessária uma reinvenção do conceito, uma alternativa à dolorosa e forçada quadratura do círculo.

Como proceder, como revolucionar sem encerrar, despedir, abandonar arrendamentos e equipamentos (muitos ainda longe de estarem pagos) é a pergunta de, literalmente, milhão de euros.

Comentários

azoresbeauty disse…
Agrada me os seus textos, faz me pensar. Ainda bem que ainda há gente pensante, ou que faz jus ao seu cérebro!

No último ano..