Restauração e direitos

 


Quando reflicto sobre o futuro próximo da restauração ocorrem-me dois factos  recentes que poderão ser indicadores dos caminhos que serão trilhados: o “manifesto”  New Kids on the Block apresentado no Congresso dos Cozinheiros 2020 por alguns dos novíssimos cozinheiros-chefes acabados de subir à ribalta do (re)conhecimento público e os anúncios por alguns restaurantes (igualmente de reconhecimento alargado de foodies e entusiastas) de contratação de equipas (quase) completas para cozinha e sala em preparação do próximo desconfinamento.

No referido “manifesto” ganhou letra de forma a incomodidade que há muito as relações laborais da indústria causavam em alguns observadores (nos quais me incluía) e em alguns (muitos?) operários (cozinheiros principalmente): locais de trabalho psicologicamente insalubres, ultrapassagem do contratualmente acordado a maioria das vezes sem contrapartida monetária ou horária, desrespeito pelos direitos, deveres e garantias dadas pela legislação e pela Constituição do país. A validação da qualidade de um profissional através da sua capacidade de ser explorado sempre me pareceu conversa da treta feita para dar dinheiro a ganhar a quem não queria cumprir as regras ou por quem confundia liderança com sargentice.

Nunca me espantou que a alguns empresários a exploração dos seus funcionários soasse apetecível – de honestidade e ética cada um toma o que quer –; o que sempre me fez confusão foi essa exploração ser aceite pelos próprios e vestida com orgulho como sinal de profissionalismo e excelência na profissão.

Por isso me agradou tanto ouvir o Pedro Abril e companheiros debitar os princípios de uma nova postura, exigente dos seus tempos de descanso e da sua sanidade mental, prefigurando um novo tipo de relação entre empresários e funcionários, E entre as chefias e os subordinados.

Em português vernáculo, parecia ter chegado um tempo em que os cozinheiros passariam a não aturar merdas.

Acontece que 2021 não é 2020 – muito menos 2019… - e à procura desenfreada dos tempos áureos do turismo em Portugal corresponde, agora e nos meses mais próximos (pelo menos!) uma oferta desenfreada ou, caso este alto e baixo de confinamentos continue, uma acelerada rarefação de restaurantes, com consequências nefastas para a empregabilidade dos muitos que, nos últimos anos, escolheram a profissão de cozinheiro como primeira ou segunda solução para uma carreira profissional satisfatória.

Um emprego numa cozinha passou a ser difícil de encontrar, mais precário e, sendo crescente a procura face à oferta, muito mais passível de ficar exposto às explorações atrás citadas. O que me leva a uma segunda reflexão: como ficarão as relações laborais? Terá sucesso e sucessores o “grito do Ipiranga” anunciado no Congresso dos Cozinheiros ou aqueles anúncios dos restaurantes de sucesso que durante o confinamento despediram a equipa inteira e agora voltam a contratar servirão como lembrete da precaridade da coisa e, portanto, juizinho e cabeça baixa continuarão a ser a regra?

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No último ano..