Perú Sabe. La comida, arma social



Do Perú, já sabemos da riqueza e variedade dos seus produtos e dos seus pratos típicos; dos chupes de camarones, dos piqueos, da causa, das pachamancas, dos cebiches, do lomito saltado, do ají de gallina, dos picarones, do suspiro a la limeña, das inúmeras variedades de batatas e tomates e de tudo o mais.

Saberíamos que, numa população de cerca de 28 milhões, existem 80.000 estudantes de cozinha (o que, aplicado a Portugal, daria quase 30.000)? Que este número é aproximadamente igual ao de praticantes de futebol?

Imagine-se Portugal com uma loucura pela gastronomia tão grande como pela sua paixão pelo futebol: três jornais diários - um dos quais líder de tiragens - com as páginas esmagadoramente ocupadas por relatos de refeições nos grandes restaurantes, entrevistas a renomados chefes, estrelas em ascensão e candidatos ao estrelato; programas de horas em horário nobre; reportagens em directo em canal aberto... Imagine-se o que este interesse pelo produto nacional traria ao incremento da agricultura, da actividade pesqueira, das indústrias de transformação; as receitas do turismo; as divisas enviadas pelos melhores chefes, transferidos para os grandes restaurantes deste mundo...

É irreal? Acontece com cada vez maior expressão no Perú - um país que não é europeu, que tem um rendimento per capita bem inferior ao nosso, cuja população não dispõe das oportunidades de estudo que a nossa tem... And yet.

Gastón Acurio, chef peruano, estrela internacional foi um dos principais responsáveis pela introdução ao resto do mundo da especificidade e qualidade da gastronomia peruana. Neste documentário, a meias com o galáctico Ferran Adrià, conta a história dessa paixão de todo um povo e de como a mesma vem a ser motor de desenvolvimento de todo um país.

Mais uma vez - vamos lá a acordar, gente!

Comentários

Paulina Mata disse…
Pedro

Há cerca de 3 anos li no Financial Times um artigo sobre o trabalho do Gastón Acurio no Peru e a expansão da cozinha peruana que me impressionou muito. Do artigo sobressaía a ideia de um trabalho muito bem pensado, com objectivos bem definidos, sobretudo relacionados com a imagem a transmitir. Não consigo já ter acesso ao link, mas apenas a algumas coisas que citei num post da Nova Crítica. Mas penso que essas frases ilustram bem coisas que achei que eram úteis para uma reflexão sobre o que pretendíamos fazer da nossa cozinha.
Ele dizia:

“We were always taught to import culture from outside the country; now we realise that our food was a great product that we have invested in for the last 5,000 years.”

“We came here to make French or Italian or Spanish restaurants, because we were trained that way in Europe. And we rediscovered our country. We assumed our responsibilities of our time, of this moment; we really feel that we are part of a movement.”

“Fifty years ago, the market outside of Japan for raw fish was zero,” he says. “Now Japan exports prime quality fish, miso, wasabi, Wagyu beef, Sapporo beer. They began with one icon – sushi was their flagship.” Acurio sees the same happening in Peru: in ceviche’s footsteps will follow niche export markets for producers of local staples such as aji, rocoto, Peruvian limes and pisco.

Mexico’s is the example he doesn’t want to follow. “Forty years ago, they started selling tequila and tacos. Everywhere in the world you will find Mexican food, but very cheap Mexican food. It’s difficult now to establish a fine dining Mexican restaurant – people have made up their minds.”

“I always tell my staff,” he says, “that ‘the mission of our company is not opening restaurants. The mission of our company is globalising Peruvian food’.”
Pedro Cruz Gomes disse…
Obrigado pelo comentário e pelas frases do Acurio que são uma belíssima achega para, como diz, a reflexão que deveria ser feita - tanto no contexto do que poderá ser o futuro que queremos/desejamos para a nossa gastronomia como, mais globalmente, no quadro económico de desenvolvimento e criação de riqueza do país.

Não sei se podemos contrapor o exemplo do México ao do Japão no sentido que é empregue pelo chef - afinal, restaurantes japoneses de terceira categoria também os há espalhados pelo mundo sem que com isso seja beliscada a imagem de qualidade da gastronomia japonesa. Um factor que me parece mais importante é o do respeito pela comida no país de base - no modo como se protegem os produtos locais, como se acarinham os pratos e os modos tradicionais, no cuidado das preparações que se revela dos restaurantes mais luxuosos às casas de comida mais humildes - e isso parece-me acontecer tanto no Japão como no Perú.

Ora é esse orgulho no que é nosso, essa quase obsessão pelo que é nosso, essa exigência constante na manutenção da qualidade - das várias qualidades -, na procura da excelência que se estende da produção à transformação e, finalmente, ao consumo que, no meu entender deverá ser perseguido.

É cá dentro que começa o sucesso. Antes de discutir se devemos exportar o pastel de nata ou os doces conventuais se faz mais sentido globalizar o frango da guia ou o bacalhau à braz, não seria mais sensato perguntarmo-nos quantas variedades autóctones de fruta podemos desfrutar ao longo do ano, quantas espécies de pescado conseguimos obter na nossa plataforma continental e de que maneira as podemos aproveitar, quando vamos ter pronto e disponível um atlas gastronómico do país, qual a melhor política de restauração, etc., etc., etc.?
Paulina Mata disse…
Pedro
Diz no seu post “Gastón Acurio, chef peruano, estrela internacional foi um dos principais responsáveis pela introdução ao resto do mundo da especificidade e qualidade da gastronomia peruana”. A primeira questão que se põe é sobre o que pretendemos fazer com a nossa cozinha?
É um facto que ninguém a conhece e que ninguém está muito interessado nela. Podemos deixar as coisas como estão. Continuarmos a dizer que temos o melhor do mundo, e até fazer uma feiras de produtos regionais muito concorridas, mas em que uma grande parte não atinge os mínimos de qualidade aceitáveis e até são produtos industriais fracos. Tudo bem. É pena, mas se ficamos bem assim...
Podemos querer globalizá-la, ou apenas dá-la a conhecer...
Portanto, a primeira questão é “há razão para os outros se interessarem?”. Partindo do princípio que há, há que pensar no que temos para mostrar e melhorá-lo. E numa coisa concordo consigo: tem que ser cá dentro que começa o sucesso. E isso exige qualidade, reprodutibilidade, capacidade de responder à procura mantendo os dois parâmetros anteriores. E não é num produto, é numa vasta gama deles.
Não me parece que seja pelos produtos autóctones que vamos lá… Não me parece que tenhamos tantos com capacidade de “viajar” para isso. E quando digo “viajar”, refiro-me a estarem acessíveis fora de Portugal, e também estarem acessíveis cá sem ser necessário ir desencantá-los em qualquer lugar inacessível e escondido. A haver capacidade de resposta. O que não signifique que não acho que é urgente olhar para esses produtos, não só não os deixar morrer, como dar-lhes uma vida que agora não têm, e melhorar a sua qualidade sem os descaracterizar. É a nossa cultura.
Escolheu-se o peixe como bandeira, e depois meia dúzia de chefes famosos que dizem que o usam e que é bom. Isso pode aumentar as exportações, e isso até é bom. Mas não tem nada a ver com a nossa cozinha e nem sequer foi acompanhado de uma evolução no sentido da qualidade no peixe disponível nos restaurantes (e aqui refiro-me a todos, não apenas aos de topo).
Tentamos mostrar a cozinha dos nossos cozinheiros de topo, será a via mais eficiente? Por vezes parece mais uma feira de vaidades… Por muito que reconheça a evolução que tem ocorrido cá, estamos longe de ter um grupo de cozinheiros com um trabalho suficientemente diferenciador, original e sobretudo ao nível dos padrões existentes noutros países e a que o público a que essas promoções se dirigem (porque ele é muito limitado) está habituado.
Mas aquilo é a cozinha deles, não é a nossa enquanto povo. E esta? O que se tem feito? Nada que eu dê por isso.
Gostava de saber o retorno das acções de promoção que foram feitas.
Penso que para dar a conhecer uma cozinha tem que se trabalhar esta, mas muito mais do que a cozinha, tem que se embrulhá-la num conceito, fazê-la transmitir uma imagem... E acho que até temos algumas potencialidades (a história, os descobrimentos e algum exotismo associado, transmitidos de uma forma actual, penso que podem ajudar). Temos até coisas que, do meu ponto de vistam nunca foram exploradas – a forma diferenciadora com que tratamos arroz. As paellas e os risotos são um sucesso. E os nossos alguém ouviu falar deles? Veja a carta dos restaurantes portugueses - há lá algum arroz nosso? É raro… risotos todos têm…

Mas muito sinceramente não acredito que se chame a atenção apenas com produtos, com uns bons pratos, há muitos pelo mundo fora mais conhecidos. O que diferencia são os conceitos e a cultura associados. Sem este embrulho, ninguém vai comprar "o peixe" que temos para vender... mas sem contúdo depois, também não...

Mas temos algo suficientemente forte para mostrar (sobretudo na forma em que está)? Vale a pena mostrar agora ao mundo a nossa cozinha?
Sinceramente... neste momento e estado das coisas não tenho certezas absolutas.

O caminho a andar é muito longo e duro, e é cá que temos que começar…
Paulina Mata disse…
E quem é o público que pretendemos atingir?

É importante defini-lo também.
Pedro Cruz Gomes disse…
Paulina,

Completamente de acordo. Só achego que não valerá de nada - por muito melhor que a obra seja - uma campanha muito bem gizada, muito bem lançada, muito bem implementada, se, depois, cá dentro, as desgraças que elencou (e todas as outras) continuarem.

Outro dia, ao ver a apresentação do Aduriz pensava nisso mesmo: o Mugaritz e outros como ele são o pináculo da gastronomia basca não a locomotiva - só existem porque o amor e o interesse pela culinária e pelos produtos é global e secular; porque essa paixão permite manter uma rede de produtores, pescadores e transformadores; porque essa paixão alimenta a pirâmide restaurativa feita de pequenos e grandes restaurantes, tradicionais, contemporâneos e de autor. E é este edifício que permite o sucesso de campanhas, elas sim, com conceito, empenho, sageza e... sucesso.

Mais uma vez, obrigado pelo partilhar de ideias.

No último ano..