Coração, cabeça e estômago
Quarto andamento da 6ª sinfonia de Beethoven. Para os nossos ouvidos ocidentais, educados por décadas de audição, consciente ou inconsciente, a solo ou ilustrando imagens - reais ou desenhadas -, estes compassos são, claramente, a ilustração musical de uma tempestade. Chuva, raios, trovões, desalinhada natureza e perturbação dos assistentes.
Estava a ouvi-la, aproveitando a chegada dos vídeos dos concertos Promenade deste ano, e perguntei-me se a naturalidade com que eu aceitava a sugestão do autor e de todos os musicólogos e amadores subsequentes, advinha do meu condicionamento social e cultural ou se, mesmo sem este background, qualquer ser humano, com um mínimo de sensibilidade auditiva e disponibilidade para escutar e se emocionar, concordaria com ela. E lembrei-me do comentário do meu mestre, o Professor Cruz Teixeira, "a Arte não precisa de ser explicada para existir - a Arte sente-se; basta estarmos disponíveis para a escutar".
Depois saltei - inevitavelmente - para a gastronomia, e lembrei-me do comentário que ouvi, há pouco tempo, a propósito das criações de Massimo Bottura: "pratos que precisam de explicação para se entenderem, não me parecem realmente conseguidos".
Acontece que eu gosto muito - sem nunca as ter experimentado, infelizmente - das propostas do grande cozinheiro italiano. Porquê? Porque me seduzem todos os piscares de olho, toda a surpresa, todas as escondidas relações que suspeito adivinhar, mais aquelas que não descubro. Porque me parecem criações de um homem que reflecte sobre o seu tempo mas também sobre o passado - o seu passado e o da cultura que o formou e que é comum aos seus conterrâneos mas também, de uma certa forma, comum aos seus contemporâneos.
Julgo que, quando passarem os mandatórios cinquenta anos e, com a tranquilidade de que não os viveu, se olharem os anos do princípio do século, mais do que o artifício passageiro, o fogo-de-artifício radioso e de curta satisfação, será esta busca da emoção, a procura das secretas ligações que permitem a quem prova, institivamente saber que, mais do que comida saciadora de uma necessidade, aquele prato é uma possível resposta a quantas perguntas nós lhe queiramos fazer, que será valorizada como marcante da gastronomia deste período.
"Coração, cabeça e estômago", inventou um dia Camilo, para titulo de um dos seus livros. Por esta ordem, também, são estes os alvos de Bottura e dos seus iguais. Sentimento, memória, sensação.
Estava a ouvi-la, aproveitando a chegada dos vídeos dos concertos Promenade deste ano, e perguntei-me se a naturalidade com que eu aceitava a sugestão do autor e de todos os musicólogos e amadores subsequentes, advinha do meu condicionamento social e cultural ou se, mesmo sem este background, qualquer ser humano, com um mínimo de sensibilidade auditiva e disponibilidade para escutar e se emocionar, concordaria com ela. E lembrei-me do comentário do meu mestre, o Professor Cruz Teixeira, "a Arte não precisa de ser explicada para existir - a Arte sente-se; basta estarmos disponíveis para a escutar".
Red on Red, Mark Rothko (Fonte: http://onartetc.wordpress.com/2012/09/25/silence-is-so-accurate/) |
Acontece que eu gosto muito - sem nunca as ter experimentado, infelizmente - das propostas do grande cozinheiro italiano. Porquê? Porque me seduzem todos os piscares de olho, toda a surpresa, todas as escondidas relações que suspeito adivinhar, mais aquelas que não descubro. Porque me parecem criações de um homem que reflecte sobre o seu tempo mas também sobre o passado - o seu passado e o da cultura que o formou e que é comum aos seus conterrâneos mas também, de uma certa forma, comum aos seus contemporâneos.
Magnum da foie gras (fonte. revista Interiors) |
Cinco texturas e temperaturas de Parmigiano Reggiano (Fonte: satedepicure.com) |
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