The B Temple: a carne maturada como bandeira


Vivemos, neste presente de turismo para quase todos os gostos, um momento tão gastronomicamente eufórico que estas palavras de Manuel Pedroso, datadas de 1975, nos parecem de um outro país que não o nosso, de uma cidade tão mítica quanto a cozinha das nossas avós:

"Quem estiver num restaurante não pode deixar de reparar que mais de metade dos presentes está de faca na mão a batalhar com esse pedaço de carne dura e sensaborona a que se dá o nome de "bife". O facto é tanto mais de estranhar quanto é certo que o "bife" que se come entre nós é francamente mau. Não temos pastos e não apurámos raças, de forma que a nossa carne é de péssima qualidade. (...) Em casa o cidadão médio raras vezes come um pedaço de carne porque o seu preço o torna praticamente inacessível. Quantas vezes e que a família pode comer bifes? Quem tem dinheiro para encher a barriga dos meninos de carne assada? (...) Encantado da vida, o cliente encomenda o "bife da casa e, passada a meia da praxe, é-lhe servido um pedaço de carne dura como granito acompanhada de batatas fritas e - para justificar o facto de ser "da casa" - de um ovo estrelado e de pedaços de uns legumes ácidos e avinagrados que, entre nós, passam por "pickles". No fundo, o "bife da casa" é isto e mais nada, excepto em alguns restaurantes mais caros cujos proprietários juntam à mistura descrita uma fatia de mau presunto."

Atrevo-me a dizer que esta situação durou até ao momento em que os milhões da CEE nos financiaram a actualização das cozinhas através da importação peças mais tenras ou a dos produtores a partir da importação de raças desenvolvidas para o consumo.

Ainda que a minha geração já tinha sido mais alimentada a carne do que as precedentes, só neste século um "prego" passou a ser uma nomenclatura carinhosa em detrimento da caricatura original que lembrava a dureza da bisteca posta a coberto na carcaça.

Evoluímos no produto ainda que, no seu tratamento, tivéssemos necessitado de um pouco mais de tempo.

Em 2014, após a visita a um dos raros restaurantes que recorria a carne maturada, escrevia eu esta nota prévia:

"1. Nas peças de carne bovina, níveis de suculência, tenrura, flavour (sabor+compostos odoríferos) de excelência só são alcançáveis com a maturação da carne, concordando a maior parte dos especialistas que os mesmos vão crescendo directamente com o tempo de maturação (em câmaras frigoríficas a 4ºC, níveis de humidade rigorosamente controlados) até aos 28 dias.

2. Os standards de aprovação dos portugueses em relação às peças de carne são genericamente baixos: sabores pouco pronunciados, carne seca (devido à diminuta percentagem de gordura interfibrilar. ou seja, carne pouco marmoreada) e, a culminar, um apreço, mortal, por um ponto de cozimento muito elevado.

3. Os processos de maturação da carne acrescentam custos (infra-estruturas, tempo, perca de peso das peças) que não são compreendidos por consumidores pouco entusiasmados com os resultados. Acresce que as normas de segurança alimentar muito apertadas e a "sensibilidade" das autoridades fiscalizadoras os transformaram, em Portugal, numa actividade de risco: multas e encerramentos compulsivos são sempre uma possibilidade (de tal maneira que é genérica a ideia da mesma ser proibida).

4. Restaurantes que disponibilizem experiências gastronómicas com carne maturada são raros em Lisboa. Descobri-los, prová-los e, em caso de aprovação, repeti-los, deveria ser tão obrigatório para carnívoros militantes como lutar por uma União mais coesa e solidária para um europeu."




Bom, evoluímos. Hoje em dia, em Lisboa, é natural toparmos com restaurantes que anunciam com orgulho a utilização de carne maturada nos seus pratos, provando com o sabor e a tenrura que a declaração é verdadeira. Longe parecem os tempos em que "maturada" era mais pensamento que realidade ou que a sanha da polícia dos costumes se encarniçava mais com pormenores do que com a essência das coisas.




Lugares como este The B Temple, em pleno coração do Chiado, à ilharga de vizinhos ilustres que não deslustra com os sabores que serve.

Convidado recentemente para almoço demonstrador dos pratos mais emblemáticos, pude confirmar a natureza dos vários cortes a serviço, a gulodice das preparações, o geral bem estar que resulta da sua fruição.

Há carne da vazia de duas raças - a Rubia Galega e a Black Angus - com maturações de 60 dias. Mais originalmente, são oferecidos dois cortes de carne de porco - cachaço e costeleta - com o mesmo tempo de maturação. Tendo algumas reticências quanto à capacidade de maturação (por causa da percentagem de gordura) confesso-me conquistado pelo flavour: aprovado.

Parabéns ao proprietário, Zahari Markov (que tendo apostado inicialmente numa casa de hambúrgueres com carne de qualidade a soube fazer evoluir, arriscando a introdução de carnes maturadas), parabéns ao Chefe Ricardo Serrão pela competência (mesmo no campo das sobremesas, que continuam a gula herdada dos pratos principais - e a única mácula que posso assinalar prende-se com a ausência de um profissional especializado na brigada) e parabéns à sala que, mesmo considerando o carácter "especial" dos comensais, demonstrou atenção e qualidade de serviço.

Casa a ter em conta, na descoberta ou redescoberta das peças maturadas mas não só.

Ovos Rotos
Perdoa-se a importação pela luxúria que a prova prova

Crocante de Farinheira
Farinheira e queijo de cabra - decadência e muita vontade de ir repetindo

Cachaço de Porco Preto Maturado 60 dias

Bife da Vazia Maturada 60 dias
Rubia Galega


Bolo Húmido de Chocolate, Nozes Caramelizadas e Nutella

Cheesecake de Frutos Vermelhos

Petit Gateâu com Gelado de Baunilha

Creme Brulée



The B Temple
Rua Serpa Pinto, nº 10 C, Lisboa
Tel.: 21 407 9398

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