Restaurante Mesa Um, Ourém

Por vezes damos com estas belas surpresas, um prato que nos encanta e deixa uma memória perene, a simpatia de um anfitrião que gosta visivelmente do que faz. Ourém, será talvez mais conhecida por ser a sede do concelho onde se localiza Fátima. Já aqui falei do apagamento imerecido da Vila Velha. Hoje falarei de um bem composto restaurante que descobrimos na cidade - o Mesa Um.

Localizado no Mercado Municipal da cidade, o restaurante situa-se no piso superior (ao nível da rua de acesso) de um complexo recente, mais parecendo um edifício autónomo, pousado numa muito comum paisagem de arranjos urbanísticos contemporâneos potencializada pelos volumosos fundos estruturais europeus.

O interior, de linhas sóbrias, assépticas, quase anónimas não fossem as fotografias de grande formato alusivas à cidade e ao concelho colocadas numa das paredes, parece querer convencer-nos estarmos perante mais um anónimo restaurante.

Puro engano. No Mesa Um mora uma cozinha sábia que soube beber do saber do seu responsável, António Martins, aprendido em anos de prática lisboeta.


Idos à boleia do Festival de Gastronomia, aproveitámos a oferta do menú dedicado ao mesmo:

     - Morcela de arroz com migas de grelos, ovos e broa;
     - Carneiro guisado;
     - Gelado de framboesa com nozes, amêndoas e compota;

A este, acrescentámos o Polvo à Lagareiro, velha paixão e, do meu ponto de vista, um bom prato para dividir águas entre o usual e o talentoso cozinheiro.


As migas - versão evoluída das tradicionais couves com feijão - couve nabiça com broa de milho e ovos, constituindo uma combinação brilhante, acompanharam com satisfação a óptima morcela de arroz. melosa, a derreter-se na boca. Na ausência de pormenores da sua confecção ("segredo!" anuncia-nos a simpática anfitriã Teresa) apenas posso conjecturar a presença de cominhos, hortelã, cravinho e salsa - como é da tradição...- a acompanhar o arroz e os pedaços e sangue de porco. Belíssimo.

Será contestável, face ao levantamento que Ana Saraiva Neves consubstanciou no seu livro "O que há, está na mesa!" (edição da C.M.Ourém) afirmar este prato como "tradicional", sendo mais uma adaptação contemporânea da memória da região. O que é incontestável é o prazer que provoca.



O carneiro foi outra agradável surpresa. Muito bem preparado, limpo de gorduras espúrias que tão mal deixa quem o limpa com desmazelo, este surgiu no ponto, tenríssimo.

À falta de mais informações, repito a receita contida na obra atrás citada:

 "(...) Mesmo sujeita a pequenas alterações, a confecção segue as seguintes etapas: A carne é cortada em pequenos pedaços  e envolvida nos temperos [alho, azeite, colorau. louro, pimenta, sal, vinho e salsa], ficando a absorvê-los até ao dia seguinte. No acto de cozinhar, é derramado azeite num tacho e adicionada cebola em rodelas deixando-a alourar. Em seguida, verte-se a carne e os temperos em que esteve a marinar e guisa-se em lume brando. (...)"

Como se vê tudo simples. O truque está nos pormenores de preparação da peça.


Já o polvo - por estas paragens aterrado por via da mestria com que o cozinheiro o prepara - vale a visita. Que ponto de cozedura! Que saborosíssima textura! Cinco estrelas em cinco, sem sombra de dúvida. Bem que perguntei o modo, curioso de o compara com outros modos, revelados sem manias noutros bons poisos, mas debalde... Quem quiser compartilhar dos seus saberes... comente por favor!


Finalmente a sobremesa. Não deslustra, ainda que, para mim, o gelado se tivesse revelado doce demais - principalmente considerando o acompanhamento da compota, sendo que um aumento do contraste ácido-doce só traria benefícios ao prato. O crocante dos frutos tradicionais da região é um valor acrescido.


Acompanhou-nos a refeição o vinho emblemático do concelho, objecto de um ainda pouco reconhecido trabalho de divulgação e com a chancela "Vinho Medieval de Ourém". Preparado artesanalmente com uma técnica que remonta aos Monges de Cister dos tempos da reconquista, é o que antigamente se costumava designar por "palhete". Parecendo um clarete na aparência, é um vinho de sabor forte, guloso que casou bem com os pratos.

Serviço atento, disponível (com excepção da recusa em revelar os truques da casa...). Preço unitário próximo do 15 euros, um muito bom preço para o degustado.

Merece destaque esta Mesa Um? Merece e muito. Face aos campeões de notoriedade da região, não fica a perder e - quem sabe? - a manter-se com estes padrões, chegará um dia a ultrapassá-los. Assim haja preserverança e engenho.

Comentários

Sérgio Faria disse…
Também tive a oportunidade de saborear os pratos que refere no restaurante mesa um e subscrevo a apreciação feita. Ainda assim permita-me duas notas de precisão e nada mais do que isso. Primeira nota. Em relação às migas que acompanham a morcela de arroz, uma das características delas é serem feitas com nabiça e não com couve. Segunda nota. Julgo que por lapso onde refere cabrito pretendia referir carneiro. A propósito - levado pelo balanço -, merece menção o facto de no mesmo restaurante e por arte de António Martins ser possível comer cabrito assado, outro dos pratos ilustres da casa. Prato também afamado e justamente afamado é o pato com laranja. Pelo que, tendo hipótese de repetir a passagem por ourém, é mais do que justificado arriscar provar estes dois últimos pratos no restaurante mesa um, sendo aconselhado em relação ao cabrito encomenda prévia, por não ser prato disponível todos os dias.
Pedro Cruz Gomes disse…
Tem toda a razão e obrigado pelo comentário. É obviamente carneiro - às vezes tenho destes actos falhados... (nas etiquetas lá estava o carneiro assinalado...) O seu a seu dono e as correcções já foram feitas.

Voltarei assim que tiver oportunidade para experimentar os dois pratos recomendados. Quem sabe possamos discutir a gastronomia do concelho?

Abraço e volte sempre!
Sónia Meirinho disse…
Bom dia

Já tive o prazer de visitar este blog há algum tempo!!
Resido em Ourém e fui ontem pela primeira vez ao Restaurante Mesa Um. Não podia ser melhor estreia...um maravilhoso rodízio de marisco! Aconselho vivamente quando voltar a provar as imensas iguarias que são servidas. Deverá é ser feita uma reserva pelo menos um dia antes. Tudo excepcional desde a Sapateira recheada, amêijoa, camarões tanto cozidos como fritos e ainda 1 camarão tigre grelhado, Mexilhões e tudo acompanhado com broa, pão torrado, etc!!! Aconselho mesmo!!A palavra que encontro para descrever foi uma autêntica overdose de mariscos e barriga tremendamente cheia que nem deu para sobremesa!!

Cumprimentos e parabéns pelo blog.
Sónia Meirinho
Pedro Cruz Gomes disse…
Olá Sónia,

Obrigado pela partilha e pela visita! Da próxima vez que for a Ourém com certeza irei aproveitar a sugestão e experimentar esse rodízio.
Volte sempre e será sempre bem vinda nos seus comentários.

No último ano..